Título: Empresa de marido de Erenice favorecida
Autor: Maltchik, Roberto; Doca, Geralda
Fonte: O Globo, 19/09/2010, O País, p. 3
Unicel teve facilidades para ganhar licitação de R$ 93 milhões na área de celulares
BRASÍLIA. O esquema de lobby operado na Casa Civil também teria funcionado para beneficiar um negócio de quase R$ 100 milhões do marido de Erenice Guerra, o engenheiro elétrico José Roberto Camargo Campos, afirma ainda a revista Veja.
No caso, o suposto tráfico de influência teria beneficiado a Unicel, pequena empresa de comunicação, que, graças à interferência direta da hoje ex-ministra, diz a revista, ganhou licitação na Anatel para operar telefonia celular no interior de São Paulo. E estaria, agora, de olho em fatia do bilionário mercado do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), desenvolvido pelo governo federal.
No novo esquema, segundo Veja, em 2005 a Unicel, que tinha José Roberto Camargo Campos como diretor comercial, ganhou o direito de entrar no mercado, por decisão do então presidente da Anatel, Elifas Gurgel. A concessão teria sido dada mesmo contra pareceres contrários de setores técnicos da agência, que questionaram falta de garantias técnica e financeira.
Erenice e seu marido teriam pressionado pessoalmente a cúpula da Anatel para que os pareceres fossem modificados para legalizar a operação.
O técnico Jarbas Valente, segundo a revista, teria mudado seu parecer e depois foi promovido a conselheiro da agência. Outro técnico, Pedro Jaime Ziller, que também referendou a concessão à Unicel, teria trocado, junto com Valente, a Anatel por cargos na Unicel.
Segundo a revista, a Unicel também foi beneficiada pela ação do servidor da Casa Civil Gabriel Boavista Lainder, ex-colega de Campos na empresa e que foi contratado no Palácio do Planalto por Erenice. Lainder, que hoje é do Comitê Gestor dos programas de inclusão digital, também é autor de um parecer jurídico que permitiu à empresa conseguir, por liminar na Justiça, adiar o pagamento de uma garantia de R$ 9,3 milhões para participar da disputa pelo mercado de telefonia celular em São Paulo.
Pela concessão de R$ 93 milhões, a Unicel deveria pagar R$ 9,3 milhões de garantia, mas não tinha o dinheiro. Com o parecer de Lainder, conseguiu liminar para reduzir de 10% para 1% do valor do negócio, ou seja, pouco mais de R$ 900 mil. Mas uma batalha jurídica encabeçada pelo Ministério Público obrigou a empresa a pagar os R$ 9,3 milhões.
Personagem da mais nova denúncia, Gabriel Boavista Lainder negou ter usado o cargo para favorecer os negócios do marido de Erenice.
Mas admitiu que chegou à Casa Civil a convite de Erenice e que mantém relação de amizade com Camargo Campos. Afirmou que Erenice participava de reuniões da Unicel na casa de um dos donos da empresa, em Brasília, quando já ocupava a secretaria executiva da pasta, subordinada à então ministra Dilma Rousseff.
Lainder disse que trabalhou para a Unicel entre 2003 e 2008 como advogado. Com o parecer jurídico, obteve uma liminar (depois derrubada) da Justiça para reduzir o valor da garantia que deveria ser paga para que a empresa participasse da disputa pelo mercado de telefonia celular em São Paulo. A autorização para a operação em São Paulo foi concedida em 2007.
Conheço a Erenice e o José Roberto, mas desde que entrei no governo jamais pediram nada para mim. A Unicel deve dinheiro ao escritório de advocacia do qual eu participava antes de assumir cargo no governo disse Lainder.
No começo de 2009, Lainder já trabalhava na Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência e foi convidado para assumir um posto na Casa Civil no começo deste ano. Segundo o advogado de 31 anos, a Unicel tem perfil para operar o sistema de banda larga na área rural. No entanto, afirma que dificilmente a empresa ligada ao marido de Erenice teria condições de disputar o mercado, pela fragilidade de sua estrutura e pela baixa capacidade de sua frequência.
Ele conta que a empresa praticamente quebrou, após um dos sócios, a Hitz empresa estrangeira que entraria como sócia capitalista , ter brigado com os proprietários da companhia.
Hoje, segundo Veja, há milhares de ações na Justiça de usuários lesados contra a Unicel.
O advogado trabalha na mesma sala onde ficava Vinícius Castro, personagem central das denúncias de tráfico de influência na Casa Civil. Ele diz que trabalhou no Comitê Gestor da Banda Larga em prol de empresas de pequeno porte.
Se o Steve Jobs (fundador da Apple) tivesse nascido no Brasil, a Apple não existiria.
No Brasil, só se você é grande você pode operar.
Essa é a minha motivação afirmou.
Lainder informou que tem documentos e disposição para prestar esclarecimentos à Casa Civil e aos órgãos competentes, para provar que não tem envolvimento com o esquema de tráfico de influência. Procurado, o marido de Erenice não retornou as ligações.