Título: Pressão nos alimentos
Autor: Oliveira, Eliane; Duarte, Patrícia
Fonte: O Globo, 20/09/2010, Economia, p. 17

Consumidores já sentem no bolso aumentos acima de 10% nos preços no atacado

BRASÍLIA

Grandes responsáveis pela manutenção do superávit comercial brasileiro, que de janeiro a agosto deste ano ficou em US$ 11,673 bilhões, os preços das commodities agropecuárias explodiram no mundo e já chegam a níveis próximos aos registrados até setembro de 2008, mês de recrudescimento da crise financeira internacional. Os aumentos, registrados no atacado brasileiro, começam a ser sentidos no bolso do consumidor. Carnes em geral, milho, soja, açúcar e trigo tiveram seus valores aumentados em mais de 10% no último ano, ou seja, bem acima da inflação em 12 meses. No acumulado, o IPCA ficou em torno de 4,5%.

Ao contrário do ano passado, quando havia forte movimento especulativo nas bolsas de commodities, dessa vez os problemas climáticos no mundo são os principais fatores para esse quadro e, por isso, o consumidor sentirá no bolso as altas a curto prazo.

Mas é transitório diz o economista Fábio Silveira, da RC Consultores.

O secretário de Relações Internacionais do Ministério da Agricultura, Célio Porto, aponta pelo menos três razões para esse cenário: a suspensão das exportações de trigo pela Rússia; a forte demanda por alimentos pelos asiáticos, com destaque para a China; e o aumento do uso do milho, nos EUA, para a fabricação de etanol.

Tudo isso já nos leva a crer que os preços das commodities tendem a subir ainda mais avalia Porto.

O caso do trigo é significativo. No Rio de Janeiro, estado onde havia estoque em quantidade razoável, o preço da farinha de trigo já subiu, desde maio, em torno de 30%.

Novos aumentos virão no pão francês, macarrão, biscoitos e outros derivados, pois o preço do trigo já subiu 80% diz Antenor Barros Leal, presidente do Sindicato da Indústria do Trigo do Rio.

No caso da carne bovina, os preços subiram mais de 16%; no do açúcar refinado, a alta foi de 18,9%.

Alimentação deve ter inflação de 1%

A variação para os itens de alimentação dentro do IPCA deve ficar em cerca de 1% ao mês a partir deste mês, como reflexo do que está acontecendo nos preços dos atacados, avalia o economista-chefe da Máxima Asset Management, Elson Teles. Ele lembrou que o IPA agrícola está avançando acima de 3% ao mês e, invariavelmente, vai ser refletido nos preços para o consumidor final.

Ainda é muito cedo para dizer que (a inflação de) alimentação vai explodir, porque ainda há alguma gordura para queimar diz ele, referindo-se ao comportamento desses itens nos últimos três meses, com deflação.

Em junho, a deflação dos alimentos foi de 0,90% pelo IPCA, de 0,76% em julho e de 0,20% no mês seguinte.

Sob a ótica da política monetária, que usa os juros para conter a demanda e estancar escaladas de preço, esse choque nos preços dos alimentos não deve surtir tanto efeito, dizem analistas. Primeiro, porque há outros fatores compensando essa pressão, como a atividade econômica mais fraca no mundo todo. Além disso, trata-se de situação temporária, causada sobretudo por condições climáticas e, assim, caracterizando-se como um problema de oferta, e não de demanda foco da preocupação do Banco Central (BC).

O BC mira na inflação cheia, e não nos núcleos (de inflação, que trabalham como um grupo reduzido de itens). Esses aumentos nos preços dos alimentos não devem afetar muito o IPCA afirma o economista da Tendências Bernardo Wjuniski, acrescentando que espera a manutenção da Taxa Selic em 10,75% ao ano até, pelo menos, o primeiro trimestre de 2011.

Para Leonardo Sologuren, da consultoria mineira Céleres, por enquanto a situação está sob controle, o que não acontecia em 2008, quando era concreta a possibilidade de forte inflação de alimentos no mundo.

Este ano, há estoques em quantidade suficiente para atender ao consumo diz Sologuren.

A FAO, braço da ONU para agricultura e alimentação, concorda com essa avaliação, mas afirma estar preocupada com a volatilidade do mercado de commodities. O diretor-geral-adjunto do Departamento de Desenvolvimento Econômico e Social da FAO, Hafez Ghanem, cobrou do G-20 (grupo formado pelas 20 maiores economias do mundo) novas medidas para combater a volatilidade do mercado alimentício.

É preciso promover o debate sobre uma melhor regulação dos mercados, garantindo maior transparência, e o estabelecimento de um nível adequado nas reservas de emergência diz Ghanem.

Economia fraca lá fora pode compensar

A equipe econômica do governo reconhece que o consumidor sentirá no bolso a alta dos alimentos a curto prazo, mas argumenta que outros fatores vão compensar essa pressão. Ou seja, o poder aquisitivo das pessoas não será tão afetado, porque os indicadores de inflação ficarão comportados em outras despesas.

E é isso que importa, porque a meta de inflação do governo é baseada no IPCA cheio, e não nos núcleos. Para 2010 e 2011, a meta está em 4,5%, com margem de erro de dois pontos percentuais para mais ou para menos.

Commodities são um fator de risco (para a inflação), mas não podem ser olhadas isoladamente afirma ao GLOBO um importante integrante da equipe econômica.

Um dos fatores que vai equilibrar essa alta nos preços é a economia internacional mais fraca, que reduz a demanda global e, consequentemente, tem reflexos no Brasil. Esse argumento tem sido usado pelo BC para justificar a decisão de manter a Selic em 10,75% ao ano, após elevar a taxa em dois pontos percentuais entre abril e julho.