Título: Meirelles diz que déficit externo levará a ajuste gradual do câmbio
Autor: Carvalho, Ana Paula de ; Duarte, Patrícia
Fonte: O Globo, 21/09/2010, Economia, p. 24

Fundo Soberano é autorizado a comprar dólares por meio do Banco do Brasil

CURITIBA e BRASÍLIA. O presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, disse ontem que o déficit das transações correntes do Brasil deve ajustar gradualmente a taxa de câmbio do país, corrigindo a valorização do real frente ao dólar. Nas transações correntes são contabilizados, por exemplo, balança comercial, viagens de brasileiros ao exterior, remessas de lucros e investimentos estrangeiros. A afirmação vai de encontro às declarações recentes do ministro da Fazenda, Guido Mantega, de que o governo pretende intervir no mercado para segurar a cotação da moeda. Ontem mesmo, a Fazenda divulgou que o Fundo Soberano do Brasil (FSB) já está liberado para comprar dólares no mercado à vista, por intermédio do Banco do Brasil (BB).

Principal instrumento de curto prazo da equipe econômica para frear uma valorização excessiva do real frente ao dólar, a poupança do governo formada por excedentes fiscais e rentabilidade em aplicações tem cerca de R$ 18 bilhões de patrimônio líquido.

Além disso, o próprio BC vem acelerando as compras de dólares no mercado à vista: entre os dias 9 e 16, desembolsou cerca de US$ 5 bilhões, volume maior que o recorde mensal do ano, registrado em maio, quando as intervenções do BC somaram US$ 4,1 bilhões em 31 dias.

O déficit em conta corrente a longo prazo é um fator importante na determinação das cotações das moedas.

Com o tempo, o mercado vai reagir a isso disse Meirelles, em palestra a empresários da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep).

Atuação do Fundo será imprevisível, diz técnico Meirelles voltou a defender o câmbio flutuante, que, combinado com alto volume de reservas internacionais, deve fazer com que o ajuste seja gradual.

Não há risco de crise, porque crises são geradas quando a taxa de câmbio é administrada artificialmente.

No Brasil, com câmbio flutuante e reservas internacionais elevadas, os ajustes são suaves declarou.

Ele também aposta que a valorização do real frente ao dólar é uma situação conjuntural provocada pelos problemas na economia americana: O período não é usual. Hoje o Brasil vai muito bem, o país está crescendo, enquanto no mundo há muita incerteza. O Brasil atrai muitos investimentos.

É o preço do sucesso.

A autorização para o FSB comprar dólares foi concedida na última sexta-feira pelo conselho deliberativo do Fundo. O governo está preocupado com a valorização do câmbio e vem trabalhando para mostrar ao mercado que não permitirá uma queda muito forte do dólar frente ao real, abaixo do patamar de R$ 1,70. Entre outros motivos, o dólar tem perdido força frente ao real por causa da forte expectativa de entrada de recursos externos que deverão ser gerados pelo aumento de capital da Petrobras, algo que gira em torno de US$ 20 bilhões a US$ 30 bilhões, segundo o mercado.

Segundo os técnicos do Ministério da Fazenda, a opção de utilizar o Banco do Brasil para atuar no mercado de câmbio com os recursos do Fundo Soberano dará ao governo mais poder de fogo na hora de segurar a cotação do dólar: Quando entra no mercado comprando moeda, o BC deixa isso claro. Ele anuncia um leilão, diz quanto tempo ficará aberto para fazer essa operação etc. Já o Banco do Brasil poderá fazer isso de forma mais imprevisível. Assim como faz com qualquer cliente, ele irá ao mercado para atender a uma demanda por dólares.

Isso pode ser feito a qualquer hora do dia. Não se sabe ao certo quem estará comprando.

Para especialista, uso do FSB no câmbio é um erro Os técnicos acreditam ainda que o Fundo Soberano terá força para evitar que o dólar continue caindo no mercado. Isso porque, além da imprevisibilidade, o poder de atuação do FSB no câmbio é considerado ilimitado: caso isso seja necessário, bastará ao governo emitir títulos para a carteira do Fundo.

Essas emissões têm impacto na dívida pública bruta, mas resolvem o problema emergencial do desequilíbrio cambial.

Os dólares comprados no mercado podem ser aplicados pelo FSB em ativos financeiros no exterior, que serão considerados ativos do país lá fora, o que ajudaria a equilibrar o endividamento líquido cuja redução é o objetivo da economia para pagamento de juros (superávit primário).

É justamente essa complexa operação financeira que leva Mário Battistel, gerente de câmbio da Fair Corretora, a levantar dúvidas sobre o uso do Fundo no câmbio. Ele explica que o FSB é composto por títulos públicos, que remuneram com base na Selic (10,75% ano). Ao passo que os dólares devem ser aplicados em títulos de outros países, que pagam menos juros que os títulos brasileiros.

Eu particularmente acho um erro disse Battistel.

A regulamentação final da reunião do conselho deliberativo do FSB, com os detalhes sobre como será a operação, somente deverá ser publicada hoje ou amanhã.

Além do aval para atuar no mercado de câmbio, o FSB terá um papel de destaque na capitalização da Petrobras, que deverá levantar cerca de R$ 130 bilhões para a estatal. Entre outros, o governo liberou o Fundo para aplicar até 100% de sua carteira em ações de empresas onde a União tenha a maioria das ações ordinárias (ON, com direito a voto), como é o caso da petrolífera.

O FSB também comprou o equivalente a R$ 2,5 bilhões em ações da Petrobras que estavam nas mãos da Caixa Econômica Federal (CEF) e deve comprar mais R$ 4,5 bilhões desses papéis que estão com o BNDES.

(*) Especial para O GLOBO