Título: Déficit externo do país subirá 150% em dois anos
Autor: Duarte, Patrícia
Fonte: O Globo, 22/09/2010, Economia, p. 25

BC projeta US$ 60 bi em 2011, contra US$ 49 bi este ano e US$ 24 bi em 2009. Conta corrente é a pior em 63 anos

BRASÍLIA. Os gastos com viagens internacionais e as remessas de lucros cada vez mais expressivas aliados a uma balança comercial de desempenho tímido levarão o Brasil a conviver com déficits em transações correntes significativos e recordes no médio prazo. De acordo com o Banco Central (BC), este ano, o resultado das trocas do país com o exterior terá um rombo de US$ 49 bilhões o maior em 63 anos e o dobro dos US$ 24,3 bilhões do ano passado. Em 2011, subirá para US$ 60 bilhões, quase 25% mais ou seja, em apenas dois anos, aumentará quase 150%.

Apesar disso, a avaliação é que a situação externa é controlável, porque o Brasil continua atraindo capital financeiro, tanto para o setor produtivo quanto para as aplicações financeiras, fechando o balanço de pagamentos no azul.

Além disso, o Brasil é investment grade (com boa avaliação de risco) e possui reservas internacionais elevadas (perto de US$ 270 bilhões) acrescentou a economista sênior para América Latina do Royal Bank of Scotland, Zeina Latif.

Remessas serão de US$ 36 bi e gastos de viagens, US$ 11 bi Ela lembrou ainda que esse cenário de saldos negativos nas transações correntes que englobam, entre outros, a balança comercial, gastos com viagens e pagamento de juros será recorrente porque a demanda interna do país cresce mais do que a mundial, hoje 9% e 3%, respectivamente, aumentando a necessidade de consumo de produtos e serviços de fora.

Prova disso, são as importações, que crescem acima das exportações, contribuindo para o rombo externo.

Segundo o BC, o resultado de 2011 será afetado sobretudo pelas remessas de lucros e dividendos, que deverão ficar em U$ 36 bilhões, US$ 4 bilhões a mais do que o resultado esperado para este ano. Os gastos líquidos com viagens internacionais ficarão em US$ 11,5 bilhões no ano que vem, cifra recorde, enquanto os desembolsos com juros deverão terminar em US$ 9,5 bilhões.

Para o chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes, os déficits esperados não são elevados quando comparados com o Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país): em 2011, ficará em 2,78% e, em 2010, 2,49%. As novas projeções também mostram que o investimento estrangeiro direto (IED) ficará em US$ 45 bilhões em 2011, US$ 15 bilhões a mais do que o previsto neste ano, puxado sobretudo pelo setor de petróleo e gás, alimentado pelo pré-sal.

Em 2010, por outro lado, os investimentos produtivos perderão força. O BC revisou para baixo as projeções de US$ 38 bilhões para US$ 30 bilhões porque, segundo Lopes, as multinacionais foram atingidas pela economia mundial mais fraca.

Isso foi especialmente verdade nos setores de metalurgia, automotivo, petróleo e gás. Ele, no entanto, descartou que o dólar desvalorizado seja razão para a diminuição dos investimentos (que ficam mais caros).

Os projetos foram postergados e não abortados afirmou Lopes.

Economista vê dependência maior de capitais voláteis Apesar das cifras menores, Lopes argumentou que a conta corrente do pais será financiada pelo IED e pelos investimentos esperados para ações e títulos.

Para 2011, o BC calcula que entrarão US$ 36 bilhões de recursos externos para comprar papéis no país, e este ano outros US$ 38 bilhões.

O economista-chefe da corretora Ativa, Arthur Carvalho, chama a atenção para a dependência do país sobre capitais mais voláteis e de curto prazo. Por enquanto, com o país crescendo cerca de 7% neste ano e com juros elevados a Taxa Selic está em 10,75% ao ano, a maior do mundo , os aplicadores de fora continuarão buscando o país como alternativa.

Acende uma luz amarela porque estamos mais dependentes de capital de curto prazo.

Não é um problema agora, mas é preciso ficar atento afirmou Carvalho.

Em agosto, o saldo das transações correntes no país fechou negativo em US$ 2,861 bilhões, o pior desempenho para esses meses desde o início da série histórica do BC, em 1947. O mau desempenho veio das remessas de lucros e dividendos, que somaram US$ 2,511 bilhões no período, e dos gastos líquidos com viagens internacionais, de US$ 813 milhões, também recordes. Pesaram ainda os gastos com juros, de US$ 526 milhões. De positivo no mês apenas a balança comercial, com superávit de US$ 2,440 bilhões.

Ainda segundo o BC, os investimentos estrangeiros diretos somaram US$ 2,428 bilhões no mês passado, mais uma vez insuficientes para cobrir o rombo nas transações correntes do país. Já os investimentos em ações ficaram em US$ 2,878 bilhões em agosto, mas a cifra já estava em US$ 4,476 bilhões em setembro, até ontem.

Isso ocorreu por causa da capitalização da Petrobras, que promete atrair muitos investidores de fora.