Título: O meu governo não é governo de consolo para ninguém
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Fonte: O Globo, 18/09/2010, O País, p. 18

O GLOBO: A sua base de apoio inclui 16 partidos. Como o senhor vai contemplar esses partidos num eventual governo?

CABRAL: Essa não é uma preocupação minha. Tenho compromisso com a população.

Eles me conhecem e sabem que é assim que ajo.

Não prometi nada a ninguém.

A melhor forma de praticar políticas públicas não é excluir os par tidos não, mas ter sempre o critério técnico como prioridade.

Se você tem um bom técnico que seja filiado a um partido ou que o partido sugere, ok, mas é sempre o critério técnico, da eficiência. Eu não vou ficar refém jamais da lógica da.... (política).

O GLOBO: A se confirmarem as pesquisas, Picciani, um importante aliado seu, não deve ser eleito para o Senado. Qual seria o papel dele no seu governo?

CABRAL: Creio que ele vai ganhar esta eleição. O meu tracking (pesquisas internas de seu partido) mostra que ele não para de crescer. O Lindberg já consolidado e ele subindo. Tenho impressão de que ele vai ganhar, mas ele jamais me pediu um cargo. Imagina, Jorge Picciani é uma pessoa realizada, bem sucedida, tem dois filhos hoje na política. Juro que ele jamais tocou nesse assunto comigo e nem eu, com ele.

O GLOBO: Ele vai voltar a administrar a fazenda dele?

CABRAL: Não sendo eleito, ele vai seguir a vida dele. O meu governo não é um um governo de consolo para ninguém.

Meu governo é de compromisso com a população.

Jorge Picciani não está precisando de consolo, porque ele terá um lugar no senado. Ele vai ser senador da República.

Acho que recuperamos no Rio o senso de pragmatismo, de objetividade. Esse senso de pragmatismo é que vai levar a população do Rio a eleger dois senadores que vão poder ir para as melhores comissões do Senado.

O GLOBO: E esse senso de pragmatismo explicaria o fato de o senhor ter o apoio unânime dos prefeitos do estado?

CABRAL: Não, ali é um senso de reconhecimento, de prefeitos que tiveram comigo uma relação independente do quadro partidário. O prefeito de Duque de Caxias é do PSDB. Eu fiz campanha para o então prefeito Washington Reis. No dia seguinte à derrota do Washington Reis, eu me coloquei à disposição do Zito para que o povo de Caxias continuasse contando com o apoio do governo do estado nas políticas públicas. Também me coloquei à disposição do Sandro Matos, prefeito de São João de Meriti, do partido do ex-governador Garotinho.

Eu tinha apoiado o Marcelo Simão, que perdeu. Acabou aquela coisa do preconceito, da segregação, do alijamento por conta de o prefeito da cidade ser do partido A, B ou C.

O GLOBO: Governar com essa maioria, essa hegemonia, sem oposição, não é ruim? Não falta um senso crítico?

CABRAL: Quem dera que essa afirmação fosse verdadeira.

Claro que tem oposição, claro que tem políticos fazendo críticas.

Eu tive várias matérias na Assembleia aprovadas com mais da metade da minha base de apoio contra e deputados da oposição favoráveis.

O GLOBO: O que acha das críticas de seus adversários que o acusam de praticar a política da bica dágua e comparam o seu governo ao do chaguismo?

CABRAL: É uma completa injustiça, porque o chaguismo era política que latifundiava, que dava cartórios aos políticos.

Eu não tenho absolutamente nada a ver com isso. A nossa relação, pelo contrário, é totalmente institucional.

O GLOBO: Pegou mal aquela bronca que o senhor deu naquele menino (em Manguinhos, após um evento com o presidente Lula na favela)...

CABRAL: Não pegou não, sabe por quê? A minha intenção não foi de jeito de nenhum ser grosso com ele. Foi dar uma chamada num menino adolescente, eu sou pai de um adolescente: pô cara vai estudar, deixa de ser otário, vai estudar.

Porque ele estava reclamando do Caveirão (carro blindado da Polícia Militar).

Manguinhos tem um tráfico muito pesado, não só pesado, mas muito cruel. E nesse dia, acabando a inauguração dos apartamentos eu garanti que a UPP vai chegar aqui em Manguinhos.

Quando nós saíamos dali, ele veio com o negócio do Caveirão. Eu disse: que é isso cara...Falei com o maior carinho, imagina se vou ter o objetivo de ofendê-lo.

O GLOBO: Queria que o senhor comentasse a quebra de sigilo e as acusações contra ministra Erenice Guerra.

CABRAL: Primeiro eu achei que funcionária Erenice agiu corretamente ao pedir para sair e para ser investigada. E segundo a Dilma não tem nada ver com isso.

O GLOBO: Mas ela confiava plenamente na Erenice...

CABRAL: Confiou. Ela não pode ser condenada, ela tem o direito de defesa dela, vai explicar o que o correu, se as acusações procedem ou não procedem. Me fez lembrar o caso do Hargreaves (Henrique Hargreaves ex-ministro chefe da Casa Civil no governo Itamar Franco). Não que ela estará sendo inocentada como o Hargreaves foi no passado.

Mas ela agiu num primeiro momento com a mesma correção que o Hargreaves. CPI do Orçamento, acusações contra o Hargreaves, e ele saiu do governo Itamar para aguardar o julgamento.

O GLOBO: O senhor acha que o episódio pode trazer algum dano para a campanha da Dilma?

CABRAL: Não acredito porque são coisas diferentes. O presidente Lula, e a própria ministra Erenice agiram, ela agiu entregando a carta, ele agiu aceitando o pedido de demissão. Ela agora será investigada, e a ministra Dilma não é mais ministra, e é candidata desde junho.

O GLOBO: Mas ela (Dilma) nomeou a Erenice...

CABRAL: Nomeou. Errou, saiu.

O GLOBO: Queria que o senhor falasse sobre a questão da distribuição dos royalties, e do ICMS dos combustíveis no destino, e não na origem

CABRAL: Desde o início, fui crítico da mudança do modelo.

Lamentavelmente ele mudou.

Estou discutindo o modelo, mas vou discutir o meu quinhão, vou discutir as receitas do estado. E o embate se deu, até que teve uma reunião, com a presença do presidente, com a presença de diversos ministros, o Paulo Hartung (governador do Espírito Santo). Na primeira reunião, como Serra, eu disse ao presidente que era contra a mudança do modelo.

O GLOBO: Foi um erro do presidente aprovar a mudança num ano eleitoral?

CABRAL: O modelo brasileiro trouxe muitas vantagens à economia brasileira. O presidente teve o mérito de estabelecer o conteúdo nacional na operação de óleo e gás. Não vou discutir o oportunismo do momento. O que discuti foi a finalidade da mudança. Eu acho que a mudança não foi a mudança correta. (em uma reunião) O presidente me ouviu, ouviu diversas lideranças e chegamos a uma conclusão de o Rio não perder. Ganha pouco, mas não perder. Foi um bom acordo. Saímos de lá satisfeitos.

Mas aí veio aquela maluquice, aquela irresponsabilidade na Câmara dos Deputados e depois repetida no Senado Federal. Eu já obtive do presidente Lula o compromisso do veto, e também da ministra Dilma, a minha candidata, de que veta. Isso me tranquiliza.

O GLOBO: Sobre a obras de reforma do Maracanã, vai ter um portal para que o cidadão saiba quanto se gastou?

CABRAL: Com certeza. Não vai ter um portal só para o Maracanã.

Nós estamos construindo um portal para Copa, Olimpíada, todas as obras.

O GLOBO: No Pan foi feito tudo em cima da hora...

CABRAL: Os Jogos Pan-Americanos não deixaram legado para a cidade. O legado foram os equipamentos esportivos.

O Maracanã melhorou com as obras para o Pan? Melhorou, todos ressaltaram. O Eduardo Paes foi muito zeloso, não só nas obras mas também na gestão do entorno do Maraca.

Mas está longe de ser um estádio pronto para a Copa. Para as Olimpíadas, abertura e encerramento, ele basicamente está pronto, porque é o entorno, urbanização do entorno.

Mas para a Copa, não, porque você tem muito ponto cego.

O GLOBO:Por que aquele teto de R$ 150 milhões no Maracanã, para uma Copa que acontecerá no inverno, época que não costuma chover?

CABRAL: Nós não vamos ao Maracanã só no inverno, vamos o ano inteiro. E é para servir a população. É um estádio moderno, bacana. Vai valer a pena.

Participaram da entrevista: Antônio Nascimento (editor de Esportes), Ascânio Seleme (editor executivo), Cássio Bruno (repórter de País), Cristina Alves (editora de Economia), Helena Celestino (editora executiva), Maiá Menezes (editora assistente de País), Paulo Marqueiro (repórter da Rio), Paulo Motta (editor da Rio) e Silvia Fonseca (editora de País).