Título: Havia um gap de 30 anos de abandono. Estamos em busca do tempo perdido
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Fonte: O Globo, 18/09/2010, O País, p. 18
Candidato à reeleição, Sérgio Cabral atribui a heranças de governos anteriores o fraco desempenho na educação, mas diz que já avançou e promete mais escolas de ensino médio; na segurança, planeja ampliar as UPPs
Candidato à reeleição pelo PMDB, o governador Sérgio Cabral enumerou avanços de seu governo em especial na área de gestão , mas admitiu uma limitação: disse não estar contente com os resultados da educação no estado. Em sabatina no GLOBO, Cabral atribuiu parte da dificuldade para mudar os indicadores do setor à herança de governos anteriores. Segundo ele, foram 30 anos de abandono. Para um eventual novo mandato, o governador que, segundo as pesquisas, hoje venceria no primeiro turno afirma que o compromisso é aumentar a oferta de escolas de ensino médio que funcionem durante o dia (hoje, a maioria só abre à noite).
Na área de segurança, Cabral reafirmou a promessa de estender, até 2014, as UPPs a todas as comunidades controladas por bandidos armados. E sobre outra vitrine sua, as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), reconhece que, criadas para desafogar os hospitais, sofrem hoje de males parecidos.
Ele justifica, dizendo que o Rio tinha baixo índice de cobertura do programa Saúde da Família, que faz o tratamento preventivo. Na hora de falar sobre o projeto, Cabral pegou o celular com internet e citou vários números para exemplificar que as UPAs hoje já registram um movimento compatível com grandes emergências hospitalares.
As UPAs viraram uma panaceia disse Cabral.
De muletas depois de uma cirurgia no joelho direito , Cabral se emocionou ao falar da perspectiva de levar as UPPs também ao morro da Mangueira, berço de sua escola de samba.
Embora tenha o apoio de 16 partidos, o governador disse não ter se comprometido com nenhum aliado a oferecer cargos em um segundo mandato: Não prometi nada a ninguém. Meu compromisso é com a população.
O GLOBO: Qual o balanço da campanha até aqui?
SÉRGIO CABRAL: O melhor desta campanha tem sido o reconhecimento da população sobre a gestão que estamos fazendo.
Ela compreende cada vez mais a grande conquista, eu diria maiúscula, do estado que foi arrumar a casa, reorganizar as finanças e a administração.
O GLOBO: O senhor atribui a isso o seu favoritismo?
CABRAL: A partir da reorganização da casa, nós começamos a obter êxito nas políticas públicas. Porque se não vira apenas um compromisso sem base. Há dez anos o estado não tinha capacidade de obter empréstimo.
Vamos fazer parcerias com o governo federal.
Sim, mas com que roupa?
O GLOBO: Esses são seus pontos fortes. Quais são os pontos fracos na administração?
CABRAL: A execução dessas políticas públicas. Pelo atraso e pelo desleixo do passado, houve avanços, mas os desafios são gigantescos.
Vamos pegar um tema como a educação: com 12 anos em que o magistério não recebe reajuste. Quando se fala do Ideb do estado, nós conseguimos, no fundamental, alcançar a nota estabelecido pelo MEC. Não é nenhuma Brastemp, mas alcançamos a nota. Já no ensino médio, começamos a fazer escolas.
Os adversários falam em 4, mas são 14. Muito longe do ideal, mas depois de 20 anos...
O GLOBO: O IBGE mostra que o Brasil tem o maior índice de abandono de alunos do ensino médio de todo o Mercosul. E o Rio contribui para isso. O senhor tem um plano para mudar isso?
CABRAL: O plano passa primeiro pela oferta do ensino médio diurno na Região Metropolitana, que não existia. Houve um equívoco na informação prestada sobre a diminuição da demanda do ensino médio do Rio.
Na verdade, o professor Mauro Osório mostrou que, de 15 a 17 anos, houve um incremento de 2006 a 2009 de 2% na procura. E o que houve foi um decréscimo de 18 anos em diante. Fizemos um trabalho, premiado da matrícula pela internet. O que eu quero dizer é que não estou satisfeito com a política de educação do estado.
O GLOBO: Há metas?
CABRAL: Estamos incluindo na rede quase 30 mil novos professores.
O laptop não é um instrumento supérfluo. Colocar laboratórios de informática em todos os colégios como colocamos é tão ou mais importante do que o quadro negro. Outra coisa que me criticam: gerar um ambiente predial digno não é supérfluo.
Havia um gap de 30 anos de abandono. Abandono completo.
Estamos em busca do tempo perdido. Agora, nesse momento, temos um serviço de avaliação, feito pela Universidade Federal de Juiz de Fora. É uma forma de prestigiar o mérito. Essa visão estatutária que tudo é igual levou o serviço público à tragédia, à bancarrota em algumas áreas.
Nesse sentido, trouxemos o professor (Vicente) Falconi desde o começo do governo para colaborar com gestão. Há um pool de empresas que financiam para o estado políticas de gestão, qualidade do gasto, qualidade de investimento e dívida ativa.
O GLOBO: E o plano de metas?
CABRAL: O Falconi está construindo. A queda na evasão vai ser consequência de tudo isso. Vamos repensar a carga horária dos professores no próximo mandato. Estou contente com os avanços que fizemos. Mas não estou contente com o nível da educação no Rio. Nós saímos da quarta divisão, chegamos à segunda. E quero chegar à primeira.
O GLOBO: A população vai continuar sofrendo nas filas nos transportes? A própria Agetransp ficou um tempo parada.
CABRAL: Nosso plano é cada vez mais reestruturar a agência para que ela tenha uma qualidade maior de fiscalização. Se eu assumo um estado em que o metrô, em 40 anos de existência, nunca comprou um carro novo, certamente os desafios são grandes... Quando assumi, dos 155 trens da SuperVia, dez tinham ar-condicionado. Hoje já temos 38. Vamos investir em barcas, trens e vamos chegar a 2014 com todos os trens com arcondicionad
O GLOBO: A gestão das finanças do estado foi um êxito. O senhor vai manter a sua equipe num segundo mandato?
CABRAL: Claro que mantenho.
O mesmo que está lá, o Renato Vilela (secretário de Fazenda), que é um craque, e foi levado pelo Joaquim (Levy). Muito do mérito é do Joaquim Levy e do Renato Vilela. Na segurança, muito do mérito é do Beltrame.
Na gestão dos grandes projetos, do Régis Fichtner. Na gestão das obras do PAC, como já disse o Lula, o pai do PAC é o Pezão. O pior do time sou eu, que vou jogando bolinha, tocando a bola e estimulando a turma. Este é o papel do chefe do Executivo.
O GLOBO: O senhor pretende implantar no Rio algo como a nota paulista, adotada pelo governo de São Paulo, que permite a devolução do ICMS na conta corrente do contribuinte?
CABRAL: Não tenha dúvida. A gente está avançando, porque a área de tecnologia estava muito atrasada na Fazenda. Quando eu assumi, em 2007, a previsão de receita do orçamento geral do estado era de R$ 33 bilhões, e nós concluímos com R$ 39 bilhões.
O que acontece em São Paulo? Você comprou numa loja, tirou nota fiscal, já sai no teu bilhete do cartão de crédito e você depois tem uma milhagem. Nós vamos chegar lá. Posso garantir que em 2011 isso será possível.
O GLOBO: A UPP é o carro chefe da sua política de segurança, mas o que será feito para recuperar a velha PM? É possível acabar com a roubalheira, com a violência?
CABRAL: Eu compreendo a sua afirmação. Mas acho que há uma generalização perigosa quando você fala em velha PM.
Nós temos grandes oficiais que já existiam antes das UPPs, a começar pelo comandante Mário Sérgio, o chefe do Estado-Maior, coronel Álvaro. Esses oficiais, que estão comandando as UPPs, são todos oriundos da polícia que já existia. Nós estamos mudando a polícia.
O GLOBO: Mas isso é por causa das UPPs?
CABRAL: Também por conta das UPPs. Por conta da redução das taxas de homicídios. O policial passa a ter uma nova postura, porque tudo é exemplo na vida. Quando você tem um Gpaizinho, numa comunidade, ficam lá dois policiais fingindo que estão fazendo alguma coisa, e o cidadão inclusive vendo aquilo, sabe. Acabou a cena do policial virando mecânico para manter o carro, e a promiscuidade do comandante com o comerciante para manter o carro andando.
O GLOBO: Mas ainda há cenas de batalhões que pegam dinheiro do tráfico nas áreas que não têm UPPs...
CABRAL: Mais uma vez uma generalidade. Só para concluir o roteiro do meu amigo. O capitão Nascimento hoje volta para casa... Nós estamos indo pacificar, e é uma coisa histórica.
Eu estive no Salgueiro esses dias, é hoje a instalação da UPP do Salgueiro.
O GLOBO: Mas o senhor não tem nenhum plano para acelerar a limpeza na velha polícia?
CABRAL: Claro, concurso público.
Por uma lei aprovada na Assembleia passamos de 40 mil para 65 mil homens. Nós estamos fazendo a catarse. Essa catarse demora. Ela (a limpeza) avança, tem momento em que há decepção que envergonha, mas o que é bacana é que cada vez envergonha mais.
O GLOBO: Quantas UPPs o senhor vai instalar até 2014 na Região Metropolitana?
CABRAL: Todas. Onde houver necessidade de UPP... Sabe por quê? A deteriorização do poder paralelo é gigante. Nós faremos ainda este ano três grandes comunidades, vamos chegar ao final do ano com um alto grau de fragilização do tráfico.
Vai acabar a marginalidade no Rio? Imagina. Vai acabar o tráfico de drogas no Rio? Imagina.
Claro que não. Vai acabar o controle armado. A Mangueira em breve vai ter (UPP). Eu hei de voltar ao Buraco Quente (localidade na Mangueira) tomar uma cerveja depois do samba, como eu fazia no passado.
O GLOBO: Wagner Barbosa Magalhães, um dos nossos internautas, pergunta qual seria a política do senhor para essas áreas. Após a instalação das UPPs nas comunidades do Rio, como ficariam Niterói, São Gonçalo e Itaboraí?
CABRAL: Essa é uma boa pergunta.
Não é que essas comunidades lá em Niterói passaram a ter (traficantes armados). Já tinham.
Em Niterói, as nossas prioridades são Morro do Palácio, Morro do Estado. No caso de São Gonçalo, Salgueiro e Jardim Catarina, em algumas áreas.
Nós temos diagnosticado quais comunidades.
O GLOBO: O senhor não acha que as UPAs, que são uma intermediação entre o hospital o posto de saúde, passaram a enfrentar os mesmos problemas dos hospitais?
CABRAL: Ela é uma intermediação entre o hospital e o posto de saúde, mas um posto de saúde que funcione efetivamente.
Um posto de saúde que faça o trabalho primeiro, o chamado atendimento básico. No Rio, na capital, nós tínhamos a menor cobertura do programa Saúde da Família do Brasil, menos de 4%. Não havia atendimento primário.
A UPA virou uma panaceia.
Porque todos correram para a UPA. Nós abrimos 840 vagas de pediatria só nas UPAs. Ninguém sai da UPA sem fazer exame laboratorial. Esses números diários (de atendimento nas UPAs) são números de hospital de emergência.
O GLOBO: A pergunta era essa.
Que tipo de ação pode ser feita para que as UPAs não tenham o mesmo problema dos hospitais?
CABRAL: Clínica da Família.
E clínicas especializadas. Clínica da mulher, vamos inaugurar uma em Mesquita. Vamos fazer mais clínica da mulher, clínicas voltadas para diabetes e hipertensão, que é um papel do estado.