Título: Mais munição para o BC no câmbio
Autor: Beck, Martha; Duarte, Patrícia
Fonte: O Globo, 23/09/2010, Economia, p. 27

Instituição comprará dólares com Fundo Soberano

Ogoverno decidiu ontem concentrar a dura tarefa de conter a valorização do real frente ao dólar nas mãos do Banco Central (BC). A autoridade monetária continuará fazendo as suas intervenções no mercado de câmbio - que estão em quase US$6 bilhões desde o dia 9 - mas ficará também responsável pelas aquisições de moeda americana pelo Fundo Soberano do Brasil (FSB), controlado pelo Ministério da Fazenda. O BC era contrário à entrada do Fundo no mercado cambial, mas a Fazenda insistiu em usar o instrumento, por considerar que o trabalho do BC não vinha surtindo o efeito necessário para impedir que o dólar derreta, para usar uma expressão do ministro Guido Mantega.

Originalmente, as compras do FSB, que terá poder ilimitado de intervenção, seriam coordenadas pelo Banco do Brasil (BB). Ontem, Mantega anunciou a mudança de estratégia. As ordens de compra de dólares para o FSB e os volumes ficarão sob responsabilidade do Tesouro Nacional. Ao BC, caberá a tarefa de fazer as aquisições e calibrar a taxa de câmbio mesclando atuações próprias e diretas no mercado com as compras via Fundo.

Mantega: objetivo é conter os excessos

O "derretimento" do dólar é sinônimo de real forte e de perda de competitividade das exportações brasileiras e vira motivo de reclamação de boa parte da indústria nacional.

- O Fundo Soberano vai atuar via Banco Central para que não haja conflito com as compras do Banco Central. Basta a secretaria do Tesouro Nacional determinar que se adquira dólares e o BC realiza a compra. Ele será o operador do FSB - afirmou Mantega.

Mesmo assim, o Ministério da Fazenda e a autoridade monetária ainda não fecharam os detalhes que permitem a utilização do Fundo na prática - o que levanta dúvidas sobre a disposição do governo de fazer uso do instrumento no curto prazo.

A medida foi anunciada por Mantega diante da volatilidade provocada pela capitalização da Petrobras, que pode trazer mais dólares para o país e valorizar mais o real. O próprio ministro já admitiu que a instabilidade no mercado vá passar quando a capitalização for concluída.

Mantega lembrou que o fortalecimento do real em relação ao dólar é um movimento natural que decorre dos bons fundamentos da economia brasileira e do enfraquecimento da moeda americana no mercado internacional. Segundo o ministro, o que é preciso fazer agora é observar se há algum tipo de ataque especulativo que possa gerar desequilíbrio. Essa avaliação será feita pelo Tesouro quando usar o FSB:

- A gente não pode evitar movimentos naturais. O câmbio é flutuante. O que a gente faz é evitar excessos. Às vezes existe movimento especulativo. Mas não vamos dar tiro de canhão em formiga.

Mantega respondeu às críticas do mercado de que só teria anunciado a entrada do FSB no mercado para acalmar os ânimos, sem intenção de cumprir a promessa:

- Não é bem isso. Eu falo e faço. Mas faço com prudência, quando é necessário fazer - disse, acrescentando - Não é que a gente impeça a valorização, mas impede o excesso.

BC e Fazenda estão azeitados quanto ao momento de intervir no mercado. Não há um piso explícito para que o governo use suas armas, mas a equipe econômica tem um "piso virtual" de R$1,70. O BC foi a primeira ponta da atuação, acelerando a compra de dólares em setembro: foram US$5,874 bilhões, com até dois leilões diários, o maior volume desde outubro de 2009.

Divergência ainda sobre como usar

Porém, Fazenda e BC ainda divergem sobre a forma como o FSB será usado. Segundo técnicos do governo, o BC estaria insistindo em usar os recursos do Fundo da mesma forma que faz operações compromissadas para comprar reservas. Ou seja, anuncia um leilão e entra comprando dólares.

Mas na Fazenda há quem defenda que, quando usar o FSB, o BC deve fazer as compras via Banco do Brasil, de forma discreta. Fazer a intervenção da forma tradicional acabaria com o fator da imprevisibilidade que a Fazenda acha importante para calibrar o humor do mercado. Discute-se ainda se haverá leilões exclusivos de dólares com recursos do Fundo ou se será anunciado um único leilão, com recursos do FSB e/ou do BC.

Já o montante de dinheiro com o qual o FSB poderá entrar no mercado é ilimitado. Isso porque, segundo Mantega, o montante disponível para as compras de moeda não são os quase R$18 bilhões depositados no Fundo Soberano, mas toda a disponibilidades de recursos do Tesouro, que pode emitir títulos para dar fôlego ao FSB.