Título: A guerra interna de Obama pelo Afeganistão
Autor: Luxenberg, Steve
Fonte: O Globo, 23/09/2010, O Mundo, p. 36

Livro de Bob Woodward revela discórdias entre presidente e militares sobre estratégia

Opresidente Barack Obama procurou uma maneira urgente de sair da guerra no Afeganistão no ano passado, pressionando repetidamente seus principais assessores militares por um plano de retirada que nunca lhe foi apresentado ¿ de acordo com anotações de reuniões secretas e documentos citados no novo livro do jornalista Bob Woodward, mais conhecido por ter investigado e revelado o caso Watergate e, posteriormente, escrito sua mais famosa obra: ¿Todos os homens do presidente¿. Frustrado com os comandantes militares que sempre propunham opções com aumento do número de militares no Afeganistão, Obama resolveu desenvolver sua própria estratégia, escrevendo um documento de seis páginas no qual procurou limitar o envolvimento americano na guerra, segundo narra Woodward em ¿As guerras de Obama¿ (em tradução livre), a ser lançado nos EUA na segunda-feira.

No documento, Obama sublinhou que os militares não deveriam tentar alongar ainda mais a missão e evitou falar em vitória. O livro mostra que o presidente não queria aumentar o número de militares no Afeganistão, mas se viu pressionado por assessores militares para enviar ao menos 30 mil dos 40 mil soldados solicitados.

¿Este é um plano sobre como vamos entregar o país e sair do Afeganistão¿, Obama disse a assessores. ¿Não vou passar dez anos lá, nem construir a nação a longo prazo. E não vou gastar US$1 trilhão¿, afirmou ao secretário de Defesa, Robert Gates, e à secretária de Estado, Hillary Clinton, em outubro do ano passado.

O câncer é o Paquistão, concluiu o presidente

Numa cena dramática na Casa Branca, em novembro de 2009, Obama convocou a equipe de segurança nacional para apresentar sua decisão e distribuir o documento que havia redigido. Ele andou por toda a sala, pedindo a cada participante que, se houvesse qualquer objeção, que dissessem ¿agora¿ (na ocasião), escreve Woodward. O jornalista relata o momento em que o presidente concluiu, no ano passado, que a missão no Afeganistão não poderia ser bem-sucedida se a impunidade da al-Qaeda e do Talibã no Paquistão não fosse combatida.

¿Precisamos esclarecer para as pessoas que o câncer é o Paquistão¿, disse o presidente.

A maior parte do livro se concentra na revisão da estratégia militar para o Afeganistão, praticamente ignorando a guerra no Iraque. O título, que menciona as guerras de Obama, refere-se sobretudo ao Afeganistão e às guerras internas de seu governo. Ganharam destaque a discórdia, a desconfiança e as brigas que consumiram a equipe de segurança nacional de Obama enquanto ela travava uma luta feroz e emocional sobre a direção, objetivos, prazos, e as chances de sucesso numa guerra que certamente será um dos marcos do mandato do presidente.

A Casa Branca reagiu ao livro, minimizando as desavenças citadas por Woodward. Uma fonte do alto escalão disse ainda que Obama se comportou como ¿um comandante-chefe analítico, estratégico e decidido, com ampla visão da segurança nacional¿.

Woodward retrata Obama em desacordo com comandantes militares, especialmente o general David Petraeus, atual comandante das tropas dos EUA no Afeganistão. Os conflitos muitas vezes se tornaram pessoais. O conselheiro de Segurança Nacional, James Jones, por exemplo, se referiu aos assessores de Obama como Politburo e máfia. Petraeus, que se sentiu excluído pelo novo governo, disse a um assessor que considerava o conselheiro sênior do presidente, David Axelrod, um ¿completo manipulador¿. Durante um voo, em maio, após um copo de vinho, Petraeus disse a seus funcionários que o governo estava ¿se metendo com o cara errado¿.

Algumas pessoas também conservaram as rivalidades da campanha presidencial de 2008. Quando Obama lançou a ideia de nomear Hillary para um lugar de destaque, Axelrod perguntou: ¿Como você pode confiar em Hillary?¿

A obra traz também outras revelações de bastidores. Uma delas é a criação de um grupo secreto paramilitar composto de três mil soldados de elite, sobretudo afegãos, que captura e mata membros do Talibã e tenta obter apoio nas zonas tribais. Outra é um relato sobre o estado mental do presidente afegão, Hamid Karzai, que de acordo com documentos da inteligência americana foi diagnosticado como maníaco-depressivo.

O Pentágono, junto com o ex-comandante dos EUA no Afeganistão Stanley McChrystal, é apontado como grande questionador da visão de Obama para guerra, tentando insistentemente prolongar a presença americana, ou aumentá-la. O presidente, no entanto, deu um basta nessas tentativas, segundo o livro.

¿Em 2010, não falaremos sobre como fazer mais no Afeganistão. Não vamos falar sobre mudanças na missão, a não ser para antecipar a nossa retirada¿, disse Obama a Petraeus e Gates.

Obama pediu ajuda ao vice-presidente Joseph Biden para estipular uma data para o início da retirada, com o seguinte argumento: ¿Tenho dois anos com o povo americano... Não posso me arriscar a perder todo o Partido Democrata¿.

Petraeus, que segundo Woodward levava as críticas de Obama à estratégia no Afeganistão como um repúdio pessoal, continuou a acreditar que uma contrainsurreição visando à proteção dos afegãos era o melhor plano. Quando o presidente o apontou para substituir McChrystal como chefe das forças dos EUA no Afeganistão, Petraeus se viu responsável por tornar a estratégia ¿limitada¿ de Obama em sucesso. Segundo o livro, Petraeus discorda do presidente: ¿Esse é o tipo de luta na qual ficaremos pelo resto das nossas vidas e, provavelmente, a dos nossos filhos também¿.

Com agências internacionais