Título: Precisamos cuidar da democracia
Autor: Anderson, Carter; Bruno, Cassio
Fonte: O Globo, 23/09/2010, O País, p. 18

Candidato do PT ao Senado diz estar disposto a brigar no seu partido contra proposta de controle social da mídia

LINDBERG: ¿Vamos ter enorme desafio: Copa de 2014 e Olimpíadas de 2016. O Rio vive uma chance única. Quero UPPs para todo o estado¿

O ex-prefeito de Nova Iguaçu Lindberg Farias, de 40 anos, tornou-se nacionalmente conhecido em 1992, quando, na presidência da União Nacional dos Estudantes (UNE), liderou os caras-pintadas que pediam o impeachment do presidente Fernando Collor. Após passagens por PCdoB e PSTU, filiou-se ao PT há nove anos. Foi deputado federal, prefeito e tenta voltar ao Congresso como senador, com o apoio declarado do presidente Lula.

Lindberg se diz disposto a brigar dentro PT para construir um diálogo com a oposição, após as eleições, em especial com o PSDB, e para evitar medidas que ameacem a liberdade de imprensa. Entre suas propostas, está a de uma reforma da saúde pública. Diz que o sistema de financiamento do SUS é uma farsa. Pretende lutar por verbas para que as UPPs alcancem todo o Estado do Rio. E defende ações integradas de infraestrutura para a Região Metropolitana do Rio. É o quinto candidato ao Senado entrevistado nesta série.

O GLOBO: Em setembro de 2009, o senhor disse que Sérgio Cabral fazia um governo elitista. E hoje o apoia. O que mudou?

LINDBERG FARIAS: Em dezembro, numa conversa com o presidente Lula, ele me falou: ¿Lindberg, não temos condições de ter uma candidatura (do PT ao governo) no Rio. Disse que havia um trabalho em parceria sendo feito e fez um apelo para eu disputar o Senado. Hoje, agradeço muito ao Lula por ter feito esse pedido. Você vê o Gabeira, uma excelente pessoa, mas que está com uma candidatura muito difícil.

O GLOBO: E as críticas sobre o elitismo?

LINDBERG: Acho que aquela expressão pode ter sido usada no calor da disputa. Acho que o governo Cabral é bom, está no caminho certo. Tem correções que precisam ser feitas.

O GLOBO: E em relação a Picciani (o candidato do PMDB ao Senado). O senhor o acusava de plantar na imprensa notícias contra sua candidatura. O que explica essa aliança?

LINDBERG: Sem dúvida nenhuma, é uma aliança bem pragmática. O governador e o senador Dornelles (PP) me chamaram, e foi bolado um plano para os últimos 15 dias de campanha. Ninguém ficou amigo de ninguém. Para mim, interessava, por reforçar minha presença no interior, com os prefeitos, no material de chapa. Foi um acordo claramente eleitoral para a reta final. Ele está buscando meu segundo voto, e eu estou buscando essa estrutura política.

O GLOBO: Como o senhor acha que o eleitor vê isso?

LINDBERG: Nossos eleitores entendem. Sabem que é um pedido do governador Sérgio Cabral. As pessoas escolhem de forma variada; nesse jogo de dois senadores, tem de tudo.

O GLOBO: O senhor declarou à Justiça Eleitoral a maior arrecadação, até agora, na campanha ao Senado (R$4,1 milhões). Muitos candidatos criticam campanhas caras.

LINDBERG: Todo mundo sabe que, nem de longe, minha campanha é a mais estruturada e cara do estado.

O GLOBO: Mas são os dados da Justiça Eleitoral...

LINDBERG: Eu sei, por isso faço um registro aqui: tudo o que a gente arrecada e gasta vamos declarar ao Tribunal Regional Eleitoral.

O GLOBO: Há candidatos que não fazem isso?

LINDBERG: Não quero acusar ninguém. Defendo o financiamento público, talvez com teto de gastos. Acho que o Congresso vai ter que enfrentar uma reforma política. É uma forma para separar o joio do trigo, de ter independência em relação a financiadores. Tenho um grande financiador nesta campanha, que é o PT nacional, com quase 70% (dos recursos). Também não sou a favor do voto distrital. Acho que isso acaba com as minorias. Neste momento, em que o PT está muito fortalecido, e Dilma deve sair com força gigante das urnas, devemos ter um cuidado com as relações políticas, com a oposição, que deve ter cada vez mais seu espaço. Precisamos cuidar mais da democracia. Nossa posição tem que ser a de pacificar o clima político no país.

O GLOBO: Mas o clima está acirrado, e com declarações do presidente contra a imprensa.

LINDBERG: O Lula fez um discurso em que reclamou, mas disse também que a liberdade de imprensa é sagrada. E esse será um ponto básico da minha atuação como senador: liberdade de imprensa total. Ainda mais num momento como este. Quando um projeto sai com a força das urnas com que a gente vai sair, é o momento em que é preciso ter mais cuidado com a democracia. Veja a convocação de um ato para amanhã (hoje) de sindicalistas (contra a mídia). Um equívoco, não ajuda em nada, só acirra.

O GLOBO: Mas o PT está endossando.

LINDBERG: É claro que há exageros de setores da mídia. Tem quase uma posição definida pelo outro candidato. Mas tem que se aguentar. E esse clima de fazer ato contra a mídia, acho completamente inadequado neste momento político. E vai ser mais inadequado ainda a partir da vitória da Dilma (Rousseff). Até porque a oposição que vai entrar... o Aécio (Neves) vai ter um grande papel, vai ser o principal parlamentar da oposição no Congresso. Alguém acha que ele vai nessa, de clima político radicalizado? Não. Quero trabalhar, após a eleição, por um entendimento com o PSDB, discutindo uma pauta comum.

O GLOBO: Então o senhor vai ter que comprar brigas no PT. Há setores no partido que defendem o controle social da mídia.

LINDBERG: Quero comprar essa briga no PT.

O GLOBO: O senhor é contra o controle social da mídia?

LINDBERG: Sou contra.

O GLOBO: O ex-ministro José Dirceu disse que, num governo Dilma, o PT teria mais condições de impor sua agenda.

LINDBERG: Acho o oposto. Porque, no governo da Dilma, há que se ter mais cuidado com a articulação política no Congresso. Por isso, falo da aproximação com o PSDB. A pauta da reforma política só pode avançar dessa forma. A reforma tributária...

O GLOBO: Quais as principais propostas que pretende levar para o Senado?

LINDBERG: Vamos ter um enorme desafio: Copa de 2014 e Olimpíadas de 2016. O Rio vive uma chance única, com todos esses investimento vindo para cá. Quero convencer a Dilma a colocar recursos no Orçamento para que as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) sejam para todo o estado. O caminho está dado. A União tem que entrar com os recursos necessários. A gente precisa ter um conjunto de ações integradas num território. O Comperj, por exemplo, vai criar quantos empregos? E qual é a formação profissional dirigida para esses jovens em situação de risco nessas áreas? Nenhuma. As coisas são dispersas. É preciso integrar as UPPs com políticas públicas de educação, cultura e formação profissional.

O GLOBO: O senhor acha que o governo federal não avançou no financiamento do SUS?

LINDBERG: Não avançou. Hoje tem um teto. É uma farsa o que existe no SUS hoje. Na verdade, a lógica, que é ter dinheiro público para cobrir os procedimentos das clínicas privadas e públicas, hoje, de fato, não existe.

O GLOBO: O que propõe?

LINDBERG: Há problema de dinheiro e financiamento. Mas tem mais. Temos que discutir novamente as competências.

O GLOBO: Tem que ter um imposto novo para a saúde?

LINDBERG: Não acho que é um novo imposto, mas é um problema de financiamento.

O GLOBO: Como melhorar o financiamento do SUS e essa lógica de distribuir competências?

LINDBERG: É um debate que tem que ser feito no Congresso. Não tenho uma saída pronta. A saúde pública brasileira tem que se concentrar cada vez mais nas pessoas que mais precisam.

O GLOBO: Seria direcionar a saúde pública para a camada mais popular, e a classe média ficaria com a saúde privada?

LINDBERG: Ainda não tenho proposta. Mas acho que a reforma da saúde tem que entrar na pauta do Senado. A situação hoje é um faz de conta. Muita gente nossa, de esquerda, acha que o SUS resolve. Temos que repensar a saúde pública brasileira. Na educação, temos que ter a formação profissional. O Lula começou a fazer o processo de democratização das universidades. Nosso nó hoje é o ensino médio, um desastre.

O GLOBO: O senhor vai focar no ensino médio?

LINDBERG: É a discussão de um plano que fale do salário do professor e de formação continuada. O CAP da UFRJ é bom por quê? Porque 70% dos professores têm doutorado. Em Nova Iguaçu, professor com formação universitária, de 20 horas, recebe de R$1.200 a R$1.300. Quem tem mestrado ganha de R$2.200 a R$3 mil. Com doutorado, R$4.400.

O GLOBO: Na sua campanha, o senhor diz que na prefeitura de Nova Iguaçu levou a educação em horário integral a toda a rede pública. Mas reportagem do GLOBO mostrou que os dados enviados ao censo escolar de 2009 estavam inflados.

LINDBERG: Isso é completamente falso.

O GLOBO: A prefeitura colocava escolas oferecendo carga horária de nove horas como opcional...

LINDBERG: Não são dados do MEC. Pelo contrário. Nova Iguaçu lançou o projeto Bairro Escola. Só que tinha um problema: íamos ter quatro escolas em horário integral. Começamos a ver que, em cada bairro, existia um conjunto de espaços ociosos. Onde fizemos o reforço escolar? Nas igrejas.

O GLOBO: Então, esse problema foi porque o horário integral não era na escola?

LINDBERG: Não era na escola.

O GLOBO: Mas nós conversamos com pais, e eles confirmaram que não havia horário integral. Tem escolas que funcionam em locais improvisados, em galpões precários.

LINDBERG: A gente trabalhava com a lógica da precariedade também. Quem diz o número de alunos matriculados na escola? Não sou eu. Não é o secretário de Educação. É o diretor da escola.

O GLOBO: Hoje, o horário integral está universalizado em Nova Iguaçu?

LINDBERG: Teve um esvaziamento.

O GLOBO: A sua vice e atual prefeita, Sheila Gama (PDT), não deu continuidade?

LINDBERG: Não está do jeito que a gente sonhou. O Bairro Escola podia ser um caminho para o Brasil. É a construção do horário integral em parceria com a sociedade, com integração de recursos e um conjunto de políticas públicas, beneficiando as crianças e os jovens.

O GLOBO: O senhor tem usado sua gestão em Nova Iguaçu como referência do que fará no Senado. Mas em 2009 o TCE, numa inspeção especial, constatou mil funcionários-fantasmas na prefeitura, que juntos ganhavam R$1,2 milhão, em valores de 2008.

LINDBERG: É completamente falso. Tive todas as contas aprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado. É luta política desqualificada de quinta categoria.

O GLOBO: Como o senhor vê a questão dos royalties? O Rio pode perder R$7 bilhões por ano. O senhor acha que dá para reverter isso no Congresso ou vai depender do Lula?

LINDBERG: O Lula já disse que vetaria. Teve uma coisa eleitoreira nessa história da emenda Ibsen (Pinheiro). Ninguém consegue colocar o Brasil contra o Rio. Estou otimista. Vamos reverter isso logo depois das eleições.

O GLOBO: Por que isso já não ocorre agora?

LINDBERG: Temos a segurança do Lula do veto.

O GLOBO: É preciso ser amigo do presidente para que o estado receba recursos? É o caminho correto? Se for de oposição, não consegue?

LINDBERG: Não precisa ser amigo do presidente. O papel do senador é construir pontes, fazer o meio de campo. Não é preciso ser amigo. Tem que ter possibilidades.

O GLOBO: Possibilidades de quê?

LINDBERG: De diálogo. Temos que ter um planejamento para 10, 15, 20 anos para a Região Metropolitana do Rio. Tem que transformar os trens da Supervia em metrô de superfície. O investimento é de R$3 bilhões. É menos que o metrô Ipanema/Barra.

O GLOBO: O senhor vai deixar o Senado para concorrer a governador em 2014?

LINDBERG: Não. Se eu fizer isso, cometerei o mesmo erro do Garotinho quando se candidatou a presidente. Não é esse meu plano.