Título: Ficha Limpa divide STF
Autor: Brígido, Carolina; Braga, Isabel
Fonte: O Globo, 24/09/2010, O País, p. 3

Tendência é de empate em 5 a 5 na votação, criando impasse sobre como resolver caso Roriz

Carolina Brígido, Isabel Braga e André de Souza

OSupremo Tribunal Federal (STF) se dividiu ontem sobre a possibilidade de aplicar a Lei da Ficha Limpa ainda nas eleições de 2010. Cinco ministros votaram contra as intenções do ex-governador e ex-senador Joaquim Roriz (PSC) de ser candidato ao governo do Distrito Federal. Três alinharam-se no time oposto. Dois não tinham votado ontem à noite, mas também já haviam sinalizado voto favorável a Roriz. A expectativa era de empate, o que provocaria grande discussão no plenário sobre como resolver a situação.

O regimento do STF prevê três possibilidades em casos como este. A primeira seria esperar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva nomear um ministro para a 11ª vaga, aberta no tribunal desde agosto, quando Eros Grau se aposentou. A segunda seria dar peso duplo ao voto do presidente, Cezar Peluso. Neste caso, a vitória seria de Roriz. A última determina que, com placar empatado, o pedido seja negado, contrariando os interesses do candidato.

Consideraram a Lei da Ficha Limpa válida já nas eleições deste ano o relator do processo, Carlos Ayres Britto, e os ministros Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski e Ellen Gracie. Atenderam ao pedido de Roriz contra a validade da lei os ministros José Antonio Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello. A expectativa era que Celso de Mello e Peluso votassem da mesma forma.

Outros tribunais ficarão obrigados a seguir o mesmo entendimento do STF ao julgar casos semelhantes. No entanto, a decisão não é automática: é preciso realizar o julgamento de todos os casos, um a um.

Em debate, o artigo 16 da Constituição

A maioria dos ministros não quis sequer analisar a constitucionalidade da lei, pois o tema não foi questionado pelos advogados de Roriz. Apesar disso, na quarta-feira, Peluso ponderou que houve falha técnica na tramitação do projeto no Congresso Nacional, e, por isso, a lei não teria validade. O texto teria sido mudado pelos senadores e, portanto, segundo a avaliação do ministro, deveria ter sido submetido novamente ao crivo dos deputados. Isso não ocorreu: a lei foi enviada para a sanção do presidente Lula. Nenhum ministro concordou com Peluso.

No julgamento, a discussão ficou centrada, principalmente, no artigo 16 da Constituição, que proíbe mudanças nas regras eleitorais a menos de um ano da votação. O voto mais contundente em defesa do dispositivo foi de Gilmar. Ele ponderou que o processo eleitoral começa em outubro do ano anterior à votação, com as filiações partidárias. Por isso, a nova lei não poderia passar a valer neste ano. O ministro ponderou que não estava defendendo o direito dos "fichas-sujas", e sim garantindo o cumprimento da Constituição.

- Não se está advogando qualquer tese defendendo ato de improbidade ou ficha-suja. Quem está defendendo aplicação da Constituição, especialmente do artigo 16, obviamente não está defendendo ímprobos, está apenas defendendo a Constituição, o Estado de Direito, que é a missão desta Corte - afirmou, acrescentando que a lei poderá ser aplicada nas próximas eleições.

Toffoli foi o primeiro a discordar do relator. Ponderou que nem sempre a opinião pública está certa:

- Qualquer pesquisa indicará maciça adesão à pena de morte no caso de crimes hediondos.

Os ministros que defenderam a tese oposta sustentaram que a lei não alterou o processo eleitoral nem prejudicou a igualdade na disputa entre os candidatos, já que a nova norma tem validade para todos.

- Estamos diante de lei que não provoca macroalterações no processo eleitoral. A lei veio dar concreção a princípios constitucionais, como a improbidade na administração, a moralidade, bem como a legitimidade do próprio processo eleitoral - disse Joaquim Barbosa.

- Penso que a Lei da Ficha Limpa presta inequívoca homenagem aos princípios da moralidade e da improbidade administrativa, que constituem o próprio cerne do regime republicano - disse Lewandowski.

A defesa também apresentou outros três argumentos. Um deles diz que não se pode punir alguém por ato cometido antes da edição da lei. O outro é o da presunção de inocência, ou seja, ninguém pode ser considerado culpado até que recorra a todas as instâncias do Judiciário. E, por fim, os advogados afirmam que a renúncia de 2007 é um "ato jurídico perfeito", que já foi concluído. Por isso, seus efeitos não poderiam ser mudados tanto tempo depois.

A sessão revelou uma divisão nítida dos ministros em dois grupos distintos, com direito a conflito verbal para marcar os territórios. As discussões foram protagonizadas por Ayres Britto, Lewandowski e Cármem Lúcia de um lado. Do outro, Gilmar, Marco Aurélio e Celso de Mello. Ao contrário do primeiro dia, quando levantou a polêmica da inconstitucionalidade da lei, Peluso fez intervenções pontuais para acalmar os colegas, chegando a fazer piada com os debates mais duros.