Título: Podemos fazer mais
Autor:
Fonte: O Globo, 24/09/2010, Opinião, p. 7

Durante décadas, aceitamos o fato de que um bebê nascido numa comunidade ou num país rico tem probabilidades muito maiores de desfrutar de uma vida mais longa e saudável do que um que nasça na pobreza. Apesar de nossos esforços para construir um futuro melhor para todas as crianças, essa iniquidade se apresenta a muitos de nós, que integramos a comunidade internacional de ajuda, como uma dura realidade quase impossível de reverter.

Consideremos, por exemplo, todas as desvantagens das crianças nascidas nos países mais pobres. De cada dez nascidos na África Subsaariana, um ou dois morrerão por motivos tão fáceis de prevenir como uma picada de mosquito. Cerca de quatro sofrerão o irreversível retardo do crescimento provocado pela desnutrição. Três nunca frequentarão escola. E, em lugar de viver cerca de 80 anos, como nos países industrializados, sua expectativa de vida se reduzirá a uns 50 anos.

Há uma década, o mundo fez um acordo em torno de oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) com o fim de melhorar esses dados terríveis até 2015. Avançamos. Entretanto, em muitos âmbitos, um exame profundo das cifras nos mostra que, junto com o progresso, cresceu a disparidade entre os mais e os menos favorecidos: em matéria de mortalidade infantil, mais de 10% em alguns casos.

Esta semana, chefes de Estado e de governo de todo o mundo se reunirão nas Nações Unidas para revisar os ODM. A pergunta é: podemos alcançar essas metas mais rapidamente? Podemos; não só investindo mais dinheiro, mas investindo com mais eficiência.

Esta é a conclusão de ¿Reduzir as brechas para cumprir os objetivos¿, o novo estudo que o Unicef publicou na semana passada.

Cuidadosamente pesquisado e revisado, ¿Reduzir as brechas¿ oferece não só uma nova análise, mas também um novo enfoque. O estudo questiona a crença comum de que se salvam mais vidas nos países pobres centrando-se nas pessoas mais fáceis de alcançar e sustenta que pôr os mais pobres em primeiro na lista está bem na teoria, mas mal na prática.

Os resultados obtidos pelo Unicef demonstram que, em seu trabalho, a teoria e a prática estão estreitamente relacionadas. Um enfoque de ¿equidade¿ (dirigido aos mais desfavorecidos) salvará mais crianças por cada dólar que se invista.

Por quê? Em parte porque aprendemos muito sobre saúde desde 2000; por exemplo, que uma boa nutrição nos primeiros dois anos de vida pode evitar o atraso no crescimento que afeta quase 200 milhões de crianças no mundo em desenvolvimento. E em parte porque as novas tecnologias, como os telefones celulares, permitem nos comunicarmos com os povos mais isolados do planeta.

Esta combinação significa que agora podemos ajudar os pobres de forma mais eficiente com soluções simples. Para as centenas de milhares de mulheres que morrem a cada ano durante a gravidez ou o parto, em geral por dar à luz sem assistência especializada, podemos capacitar profissionais não médicos para que possam realizar cesáreas. Para os 850 mil meninos e meninas que morrem a cada ano de malária, podemos fornecer cortinados que reduzam essa mortandade em 20%.

O enfoque na equidade não significa abandonar os valiosos projetos em curso, mas desenvolvê-los. E o modelo do estudo do Unicef demonstra que, se desenvolvermos esses projetos focando nossos esforços futuros nas zonas mais pobres, alcançaremos resultados muito bons.

Até 2015, por exemplo, cada milhão de dólares que os países mais pobres destinarem ao novo enfoque salvará cerca de 60% mais crianças por ano.

Nos últimos cinco anos de uma missão criada com tanta esperança e levada adiante com tanta dedicação, exortamos nossos associados que se reunirão na Cúpula das Nações Unidas a ajudar a maior quantidade possível de crianças centrando-se naqueles mais necessitados.

E exortamos os leitores a reconhecer que o destino dessas crianças está ligado ao destino de nossos próprios filhos. Se queremos criar um mundo melhor para todas as nossas crianças, sem importar onde tenham nascido, devemos reduzir as disparidades. Este novo estudo oferece uma visão audaz num mundo em que a pobreza já não tem que ser uma sentença de morte para criança alguma.

ANTHONY LAKE é diretor executivo do Unicef.