Título: Venezuela, um país na balança eleitoral
Autor: Jorge, Elianah
Fonte: O Globo, 26/09/2010, O Mundo, p. 41

Pleito legislativo de hoje decide se projeto socialista de Chávez sai fortalecido ou se oposição ressurge com força

Especial para O GLOBO

CARACAS. No extenso Bulevar de Sábana Grande, na capital, dois grupos se dividiam a poucas horas das eleições parlamentares de hoje: uns com camisas e outras peças na cor vermelha, e outros com roupas de uso cotidiano. Cada grupo ia em direções opostas.

Eles representam o comportamento popular de uma Venezuela dividida após quase 12 anos de governo de Hugo Chávez, que hoje decide para qual lado penderá a balança nos próximos anos.

Alguns afirmam que o nível de vida melhorou, outros dizem que piorou, e os ni-ni aqueles que não são nem chavistas nem opositores contam que há pontos positivos e negativos na gestão do militar que invoca constantemente o máximo herói nacional, Simon Bolívar, para reafirmar suas intenções de implementar o chamado socialismo do século XXI.

Renasci com Chávez. Antes eu trabalhava para a IV República e agora tenho uma cooperativa e sou ouvida. Agora o povo tem voz defende Mirna López, de 55 anos. Sou revolucionária e o acompanho desde que Chávez deu o golpe de 1992.

Eleitor chavista ressalta benefícios sociais Perto dali, Alexander Martínez trabalha como ambulante vendendo chapéus vermelhos estilo caubói. Cada peça sai por 20 bolívares (cerca de R$ 10, no câmbio oficial, e R$ 2,50, no câmbio paralelo) e o que não faltam são compradores.

Ele está sem trabalho formal há mais de cinco anos, após ser demitido de uma multinacional americana.

Comecei a trabalhar lá ainda garoto. A empresa foi comprada por outra e fiquei desempregado. Depois, fazia corridas de táxi com meu carro, mas após um assalto fiquei com medo e agora sou vendedor ambulante disse ele, mostrando duas marcas de tiro no corpo, exatamente um dos temas explorados pela oposição, que aponta a escalada de violência como produto do governo Chávez.

Para conseguir viver, Martínez diz precisar de cerca de seis mil bolívares por mês (quase seis vezes o salário mínimo).

Há dinheiro na rua, e daqui a pouco, depois que vender tudo, vou para casa declarou enquanto os clientes levavam a mercadoria usada nos comícios do chavismo.

Num desses grupos, Efraín Díaz dizia estar com a artilharia preparada para as eleições.

Depois de votar, vamos comemorar disse Díaz, funcionário do Mercal, mercado do governo que vende produtos da cesta básica a preços subsidiados, já antevendo um resultado favorável a Chávez.

Outro integrante do grupo, Miguel Angel Alarcón, apontou as mudanças no setor trabalhista quando perguntado sobre o impacto do governo chavista em suas vidas.

Todas as empresas com mais de 20 trabalhadores têm de pagar vale-alimentação. Antes, os aposentados recebiam uma pensão mínima. Agora, o valor foi elevado a um salário mínimo, e o recebimento foi facilitado.

Até as donas de casa podem usufruí-lo elogiou Alarcón, também funcionário do Mercal.

No outro lado do bulevar, entretanto, um senhor de camisa verde não compartilhava o mesmo entusiasmo. E se dizia enganado.

Fiz campanha para Chávez, que foi eleito democraticamente pelo povo. Mas quando um presidente diz que ficará até 2030, isto é comunismo ou ditadura, e não podemos aceitar fulmina José Ricardo Fuentes.

Pelas ruas, venezuelanos comuns têm outras queixas.

Uma delas é o tom da campanha eleitoral, em que Chávez solta o verbo contra os opositores.

Nesta última semana, o presidente chamou os opositores de oligarcas ridículos num ato da campanha, que ele mesmo batizou de operação demolição. A prefeitura de Chacao, município governado pela oposição, aproveitou-se dessa percepção de muitos da agressividade do governo para lançar o slogan A Venezuela clama por respeito.

Não posso admitir que, sobretudo, um presidente agrida as pessoas com palavras.

Esta maneira de Chávez falar desrespeita as pessoas disse a professora aposentada Carmen, que preferiu omitir o sobrenome.

Todas as percepções do país se avançou na última década ou se regrediu sob Chávez vão estar na cabeça dos eleitores hoje quando se dirigirem às urnas. E destas sairá um cenário em que o modelo socialista de Hugo Chávez poderá ser fortalecido ou sofrer um revés, com uma oposição revigorada em seus calcanhares.