Título: Houve desvio de recursos públicos de outras áreas
Autor:
Fonte: O Globo, 26/09/2010, Economia, p. 38

ENTREVISTA David Zylbersztajn

SÃO PAULO. Saudado pelo presidente Lula como a maior capitalização da história da humanidade, o aumento de capital da Petrobras não representa garantia de recursos para todos os projetos prioritários da empresa, como a exploração da camada do pré-sal. A afirmação é do consultor David Zylbersztajn, que de 1998 a 2001 foi diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Para ele, houve politização do processo, com risco para o acionista minoritário que comprou mais ações.

Zylbersztajn também criticou o aumento de participação do Estado na empresa. Houve desvio de recursos públicos que poderiam ter sido usados em outras áreas, disse ao GLOBO.

Aguinaldo Novo

O GLOBO: Que avaliação o senhor faz do processo de capitalização da Petrobras? Houve politização do tema?

DAVID ZYLBERSZTAJN: Essa politização não vem de agora. Começou já na aprovação do novo marco regulatório do setor. Foi tudo feito de forma corrida. A primeira lei do petróleo passou quase dois anos sendo discutida no Congresso, num processo bastante elaborado e transparente.

Já a nova legislação ficou dois anos sendo discutida dentro do governo Lula e só alguns meses no Congresso. Isso, evidentemente, gerou algumas dúvidas e incertezas.

Quais dúvidas e incertezas?

ZYLBERSZTAJN: Essas dúvidas estão associadas, por exemplo, ao desenvolvimento que ainda precisa ser feito para a exploração do pré-sal. Como a Petrobras fará para superar a questão tecnológica e logística. Outro ponto é como o investidor vai reagir, daqui para frente, a uma empresa com participação cada vez maior do governo.

Independentemente de quem seja o presidente, sempre haverá incertezas sobre influência política e ideológica na gestão da companhia.

Não se pode pensar só em cinco anos

O GLOBO: O sr. é contra maior presença do Estado na Petrobras?

DAVID ZYLBERSZTAJN: Não é questão de defender ou combater.

A questão é que esse aumento era totalmente desnecessário.

O governo já tinha e continuaria a manter o controle da gestão da Petrobras. Houve um desvio de recursos públicos que poderiam ter sido usados em outras áreas que não têm a capacidade de geração de caixa da Petrobras. Até parece que o país não tem outras prioridades.

A capitalização garante os investimentos futuros da Petrobras, como o pré-sal?

ZYLBERSZTAJN: Não. No plano de investimentos para os próximos cinco anos (já anunciado pela empresa), o pré-sal ainda não é o principal, não é a parte maior. Agora, há outros projetos que não fazem muito sentido, como a proposta de construção de alguns refinarias.

Quais seriam?

ZYLBERSZTAJN: A do Maranhão, por exemplo. Alguém convenceu o governo que era um bom negócio imobilizar uma quantidade imensa de recursos financeiros para produzir derivados de petróleo. E não é verdade que você ganha muito mais dinheiro vendendo derivados do que o próprio petróleo. A rentabilidade da atividade de refino é a mais baixa na cadeia do setor.

A capitalização é para esses cinco primeiros anos, sendo que o desenvolvimento da produção do pré-sal vai acontecer depois desses cinco anos. Será um período que exigirá ainda mais recursos do que nesta fase inicial.

Quer dizer, eliminou o gargalo de curto prazo?

ZYLBERSZTAJN: Diria que a curto prazo as coisas estão resolvidas.

Mas no médio e longo prazos, é diferente. Não vejo problema em a Petrobras recorrer ao mercado para se capitalizar.

É melhor do que o aumento de endividamento (via empréstimos). Mas não se pode pensar só em cinco anos. Talvez devesse haver uma revisão dos projetos hoje considerados prioritários, com uma otimização de recursos. Centrar na área de exploração e produção, cujos desembolsos diminuíram proporcionalmente nos últimos anos. Caso contrário, em menos de cinco anos você terá de fazer uma outra capitalização.

O acionista minoritário fez um bom negócio ao aderir?

ZYLBERSZTAJN: Não sei. Tenho muitas dúvidas. Porque esse investidor tem de lidar com grandes incertezas em relação ao futuro. Como a capacidade de a Petrobras produzir petróleo em prazo mais curto, e como vai obter os meios para fazer isso. Não se sabe também qual o custo para a extração desse petróleo.

As petroleiras ganham dinheiro na margem entre o custo de produção e o valor de venda do produto. Não digo que o minoritário tenha sido prejudicado, mas também não sei se foi o negócio da vida deles.