Título: Garantia para investir
Autor:
Fonte: O Globo, 27/09/2010, Opinião, p. 6

Atopografia, somada ao descaso no planejamento da ocupação dos espaços na cidade, permitiu o surgimento de santuários de quadrilhas de traficantes, incrustados no alto de morros cariocas, convertidos em fortalezas inexpugnáveis. A favelização tem raízes antigas, entre as quais a inapetência de governantes ¿ não apenas municipais e estaduais ¿ na formulação de programas exequíveis de habitação popular. Ou mesmo conjunturas econômicas de crise, em que a inflação sem controle é veneno mortal contra qualquer sistema de empréstimo e poupança.

Os edifícios da Zona Sul foram construídos por uma mão de obra de imigrantes, os quais, concluídos os prédios, começaram a se instalar nos morros da região, por falta de alternativa de residência. Surgiu, então, uma fonte supridora de serviços de baixa qualificação ¿ e remuneração ¿, conveniente a todos: aos favelados e moradores de classes médias e alta do local. Nos bairros centrais, em direção à Zona Norte, a reurbanização do Centro ¿ no Bota Abaixo, de Pereira Passos, no início do século XX ¿, com a demolição de incontáveis casas de cômodos, também foi um fator de incentivo à criação e ampliação de favelas.

Acrescente-se a degradação das redes públicas de ensino, a corrupção policial, baixo adestramento das forças de segurança em geral, e a chegada da cocaína a partir da década de 70, junto com o tráfico de armas, e se terá o quadro de violência desenhado a partir das décadas de 80 e 90. O negócio das drogas e armas ¿ elas sempre andam juntas ¿ se tornou opção para muitos jovens. Sem uma repressão eficiente e atraídas pelo dinheiro enganosamente fácil do tráfico, gerações foram cooptadas pelo crime.

O problema da criminalidade nas chamadas áreas carentes ¿ e não apenas em morros ¿ exigia uma política de segurança multidisciplinar e que substituísse as ineficazes e perigosas ¿ não só para a população, mas aos próprios policiais ¿ incursões esporádicas nas favelas. Geravam balas perdidas, vítimas entre moradores, e não garantiam o essencial: recuperar o controle territorial para o poder público.

Toda região da cidade tem vocações que podem ser exploradas em projetos específicos. O Rio, por razões evidentes, é indicado para empreendimentos turísticos, de lazer, esportes ao ar livre etc. Mas, diante da gravidade a que chegou a insegurança pública no município, qualquer projeto em determinadas áreas pode ser inviabilizado. Ou sequer existir, pois ninguém desejará investir sem que o poder público garanta a segurança. Assim como amplas faixas no subúrbio carioca foram economicamente esvaziadas devido à violência, outras estão ficando fora dos planos de qualquer empreendedor, pelo mesmo motivo.

É ilusório imaginar que projetos isolados possam recuperar bairros, regiões, sem que haja, antes, o restabelecimento do controle territorial pelo Estado. Por isso, jogam-se as fichas nas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), pois elas cortam o círculo vicioso de operações de sobe e desce, entra e sai da polícia em favelas. Além disso, onde são instaladas elas criam condições de o Estado fazer chegar às comunidades todos os serviços públicos que precisam estar disponíveis a qualquer cidadão. Só assim é possível executar projetos que gerem empregos e renda em cada local antes dominado pelo crime.