Título: Saneamento: meta vai pelo ralo
Autor: Motta, Cláudio
Fonte: O Globo, 27/09/2010, Rio, p. 14

Custo quase dobra, e estado admite que não chegará a 80% de esgoto tratado em dez anos

Ameta do governo do estado de elevar a quantidade de esgoto tratado de 30% para 80% em dez anos está mais distante. A conclusão é da própria secretária estadual de Ambiente, Marilene Ramos, que admitiu a necessidade de recalcular os custos de saneamento. A estimativa inicial de R$8 bilhões praticamente dobrou: agora serão necessários investimentos de R$15 bilhões no mesmo período - ou R$1,5 bilhão por ano. O estado não tem condições de arcar com este valor. Mesmo se todos os projetos previstos, incluindo os do governo federal e de empresas, forem realizados dentro dos prazos, a conta não fecha. A estimativa mais otimista é de R$895,8 milhões em investimentos ao ano - um déficit anual de cerca de R$600 milhões.

- Nossos rios foram transformados ao longo dos anos em valões de esgoto. Enfrentar isso depende de gastos maciços e com continuidade. Com o nível de investimentos de hoje, não dá para chegar à meta de elevar para 80% o esgoto tratado no estado - afirmou ao GLOBO Marilene Ramos.

Nas baías, um panorama desolador

O Rio ainda está longe dos investimentos necessários para bater a sua meta - que sequer é de universalizar o tratamento. Contando com os recursos do Fundo Estadual de Conservação Ambiental e Desenvolvimento Urbano, o estado deve conseguir aplicar de R$150 milhões a R$200 milhões por ano. Além disso, Marilene espera fechar, até o primeiro semestre de 2011, empréstimo de R$1,25 bilhão com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O dinheiro seria destinado principalmente ao saneamento da Baía de Guanabara, numa previsão inicial de quatro anos de obras.

Também entram na conta os projetos que podem ser incluídos na segunda fase do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC): R$700 milhões em três anos. Além disso, espera-se que sejam realizados outros investimentos, como os de concessionárias de água e esgoto, estimados em R$150 milhões por ano.

O dinheiro que o estado conseguir para saneamento deverá ser direcionado, em sua maioria, ao entorno da Baía de Guanabara e ao sistema lagunar de Barra e Jacarepaguá. Este é um dos compromissos que a cidade assumiu para as Olimpíadas de 2016.

Enquanto os projetos não saem do papel, a Região Metropolitana sofre com os problemas ambientais. Na última quinta-feira, O GLOBO acompanhou um voo de quase três horas feito pelo biólogo Mário Moscatelli, que há 15 anos monitora as condições sobretudo de lagoas e rios. A bela geografia do Rio é manchada por esgoto, detritos, ocupação desordenada e lançamento irregular de lixo, num retrato caótico dominado pela poluição.

Na Baixada de Jacarepaguá, a quantidade de lama, pneus e muito lixo na Lagoa da Tijuca impressiona. O esgoto flui lentamente pelo Rio Arroio Fundo e pelo Canal do Anil. Nem mesmo a Lagoa de Marapendi escapa da sujeira. Do alto, o Canal das Taxas mais parece um valão.

No voo sobre Vargem Grande e Recreio dos Bandeirantes, foi possível perceber o crescimento de favelas e aterros clandestinos. O lixo é jogado sem qualquer tratamento mesmo numa área nobre, que ficará em evidência durante as Olimpíadas.

Depois de atravessar a Grota Funda, o quadro se repete na Baía de Sepetiba: ocupação irregular, rios convertidos em esgoto, sujeira. Em Seropédica, foi possível observar o ponto no qual é feita a captação de água pela Cedae, no Rio Guandu. A cena é desoladora: a água é suja e turva. A vegetação das margens não é preservada. Depois de tratada, esta água vai abastecer 80% do Grande Rio.

- A área de captação de água do Guandu recebe três rios, que cruzam áreas urbanas sem saneamento. São três valões com muito esgoto que chegam ao tanque de captação. Temos projetos de saneamento, de isolar o Guandu, mas eles não foram implantados - diz Marilene.

Na Baía de Guanabara, na altura do aterro de Gramacho, há vazadouros de lixo, ocupações irregulares, muitos urubus. Pelo rádio do helicóptero, pilotos de aeronaves que operam no Aeroporto Internacional Tom Jobim mostram preocupação. Um choque com as aves pode ser trágico.

- Voo após voo, a situação, se não é a mesma, piora. As bacias hidrográficas da Baixada de Jacarepaguá e das baías de Guanabara e Sepetiba viraram gigantescos valões de esgoto. Proliferação de cianobactérias e gigogas afeta a qualidade de vida e a biodiversidade da Região Metropolitana. Chama a atenção a qualidade da água do Piscinão de São Gonçalo, que parece uma sopa de ervilha, e com pessoas mergulhando. Ao lado, um monumento à ineficiência: a estação de tratamento parada - resume Moscatelli.

Mesmo nas áreas importantes do Rio, a degradação é visível: nas praias do Flamengo e de Botafogo, na Zona Portuária e nos rios da Zona Sul havia muita poluição. No Pavão-Pavãozinho, a retirada de lixo do morro, chamada por Moscatelli de lixão vertical, era feita por garis, sem qualquer proteção. A Comlurb informou apenas que os garis serão suspensos por três dias. Segundo Luiz Guilherme Osório, diretor de Serviços Sul, há um projeto para a construção de uma barreira na comunidade, com o objetivo de evitar o descarte de lixo pela população.

A Secretaria municipal de Meio Ambiente informou que enviará equipes para combater os aterros clandestinos no Recreio e em Vargem Grande. Os donos dos terrenos poderão ser multados.

Sobre a qualidade da água do Piscinão de São Gonçalo, o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) diz realizar análises e alega que se trata de local "próprio para uso recreativo". O presidente da ONG Terra Viva Movimento de Resistência Ecológica, Pedro Camelo, porém, enviou ao GLOBO um relatório independente, segundo o qual os níveis de coliformes totais chegaram a 101.120 por 100ml e os de coliformes termotolerantes, a 96 mil. Ambos deveriam ser de até cem por 100ml:

- A situação é gravíssima e requer uma ação imediata.