Título: Um Rio contra a maré
Autor: Vasconcellos, Fábio
Fonte: O Globo, 26/09/2010, O País, p. 15
Pesquisa mostra Marina empatada com Serra no estado, confirmando tradição de voto em candidatos que não são preferência nacional
E, na reta final da disputa nacional, a preferência eleitoral do Rio de Janeiro começa a destoar do restante do país. Os dados da última pesquisa Datafolha, divulgada na semana passada, mostram a candidata do PV à Presidência, Marina Silva, empatada com José Serra, do PSDB, que têm, respectivamente, 22% e 23% das intenções de voto no estado. Na capital, a verde já ultrapassou o tucano.
Tem 24% contra 21%. Para especialistas, o crescimento de Marina indica uma certa tradição do Rio por candidatos que, nacionalmente, ainda não caíram no gosto dos eleitores. Eles não acreditam em viradas, já que a candidata do PT, Dilma Rousseff, tem 45% no estado, mas concordam que os dados têm lastro histórico.
Em 2002, quando o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva já tinha a preferência nacional dos eleitores, no Rio o ex-governador Anthony Garotinho venceu o petista nas urnas no primeiro turno (42% a 41%). Quatro anos depois, mesmo com a vitória de Lula no estado, a candidata do PSOL, Heloísa Helena, obteve no Rio o maior percentual de votos: 17%, e ficou em terceiro lugar.
O índice superou, inclusive, sua votação em Alagoas (13%), base eleitoral da candidata.
Pelo Datafolha, a intenção de voto em Marina no Rio subiu dez pontos percentuais em relação a julho. Com isso, seu patamar está nove pontos acima da sua média nacional, que é de 13%. José Serra, por outro lado, perdeu oito pontos de julho a setembro.
Caiu de 31% no Rio para 23%, e está cinco pontos abaixo de sua média nacional, que é de 28%, segundo o instituto de pesquisa.
Professor e cientista político da UFRJ, Paulo Baía diz que o Rio tem tradicionalmente um comportamento de oposição à tendência nacional.
Em 1989, por exemplo, Leonel Brizola venceu no Rio contra Collor, que tinha boa intenção de voto no país. A diferença foi de 2,6 milhões para Brizola. Para Baía, os votos de Marina podem estar vinculados à memória da última eleição municipal, quando o então candidato Fernando Gabeira (PV) conseguiu mobilizar o eleitorado.
O Rio tem essa tendência de oposição, embora isso não se manifeste em todas as eleições. E essa tendência é mais forte na capital, onde se concentram 50% dos votos.
Se contarmos as cidades no entorno, o percentual pula para 73%. Ou seja, a capital tem uma influência considerável no comportamento eleitoral do estado diz Baía. Os votos em Marina, a meu ver, são uma forma de os eleitores cariocas, tradicionalmente mais críticos, pressionarem Dilma a assumir as bandeiras da candidata do PV, caso seja eleita.
Maria Celina DAraujo, professora do departamento de sociologia e ciência política da PUC-RJ, lembra que foi no Rio que surgiu o movimento verde e manifestações culturais que se expandiram para o restante do país. Na avaliação de Maria Celina, a classe média carioca tem um comportamento mais progressista quando se trata de temas nacionais.
Ela, ressalta, contudo, que a tendência desse comportamento eleitoral não se manifesta nas eleições locais, onde ainda prevalecem antigas práticas: Brizola dizia que São Paulo era o polo de negócios, e o Rio um polo de ideias. Nós temos no Rio uma classe média que, historicamente, se mostrou mais irreverente do ponto de vista político, na música e em outros movimentos. O Rio é a cidade que abraça a Lagoa, que teve a famosa sunga do Gabeira na praia.
Além disso, o Rio tem uma relação mais intensa com a natureza do que, por exemplo, São Paulo. Aqui o movimento ecológico é mais forte.
Professora do programa de pósgraduação da UFRJ, a cientista política Ingrid Sarti ressalta que o voto no estado sempre foi mais à esquerda.
Ele explica, por outro lado, que o crescimento de Marina no Rio se deve também à perda de força do PSDB no Rio, que não conseguiu mobilizar os eleitores de Serra.
A Marina subiu com os votos dos indecisos. Tradicionalmente, o Rio tem um voto mais à esquerda. O Lula sempre teve boa votação aqui.