Título: Deboche, protesto ou estratégia?
Autor: Scofield Jr., Gilberto
Fonte: O Globo, 26/09/2010, O País, p. 19

Com Tiririca, que deve ser um dos mais votados do país, PR tenta eleger até Valdemar Costa Neto

SÃO PAULO. A fulminante ascensão do palhaço Tiririca filiado ao Partido da República (PR) e na coligação de Dilma Rousseff (PT) para a Presidência, chamada Juntos por São Paulo na corrida por uma vaga de deputado federal provocou reações extremadas entre políticos e eleitores de São Paulo. Uns condenando o que pensam ser um deboche da política e do Congresso (a campanha Palhaço é quem vota em palhaço já se espalhou como vírus pela internet), outros pregando o voto no personagem como protesto (o vídeo com a campanha de Tiririca, resumida no bordão Pior do que tá não fica, já foi visto mais de quatro milhões de vezes desde que foi colocado na rede, há um mês). No Twitter, o palhaço, interpretado pelo ator e cantor Francisco Everardo Oliveira da Silva, 45 anos, já foi por dias um dos temas mais comentados.

Nascido em Itapipoca, Ceará, numa família que catou lixo para sobreviver, Francisco Everardo começou a trabalhar em circo aos 8 anos e ganhou o apelido da mãe, que o considerava mal humorado. O primeiro CD foi lançado graças ao esforço de amigos, e acabou um sucesso por causa do hit Florentina, obrigatório nas rádios populares do país. Já na gravadora Sony, o palhaço vendeu mais de 1,5 milhão de CDs e virou figura fácil de programas de auditório. A carreira evoluiu para participações como ator em programas das TVs Record, Manchete e SBT. A queda gradual de exposição na mídia coincidiu com o convite para se candidatar.

Por trás do fenômeno está uma estratégia do PR para guindar votos para a legenda se beneficiando da proporcionalidade, princípio previsto na lei eleitoral, mas muito criticado, por transformar em integrantes do Congresso candidatos com desempenhos pífios nas urnas. Segundo este princípio, o número de vagas de cada partido é definido por uma equação que leva em conta a soma dos votos dos candidatos e suas legendas dividido pelo número de vagas a que cada estado tem direito. Estima-se que o PR esteja investindo no candidato mais de R$ 500 mil.

Ano passado, a cúpula do PR em São Paulo convidou Tiririca de olho em sua popularidade entre nordestinos e classes menos favorecidas.

Desde 2007, seus vídeos no YouTube foram assistidos por milhões.

O filme Ora, menino! já foi visto cerca de 3,8 milhões de vezes. Outros 19 candidatos no país carregam o apelido Tiririca em seus nomes.

O partido investe em nomes com repercussão no tecido social diz um integrante do PR, que investiu na estratégia nos três maiores colégios eleitorais: São Paulo, Rio e Minas. O sucesso de Tiririca não é o conteúdo, mas a forma.

Sucesso que poderá render quatro cadeiras ao PR na Câmara. Pesquisa do Datafolha mostrou que o palhaço tem 3% das intenções de voto dos cerca de 30 milhões de eleitores de São Paulo, o que o transformaria no deputado federal mais votado do país se a eleição fosse hoje: algo como 900 mil votos.

Com ele, subiriam nomes como o do cantor Agnaldo Timóteo, do humorista Juca Chaves e o do ex-presidente do PL Valdemar Costa Neto, que em 2005 renunciou ao cargo de deputado por causa do mensalão.

Tiririca é um caso clássico de oportunismo praticado por quase todos os partidos diz o promotor eleitoral Maurício Antonio Ribeiro Lopes, que denunciou à Justiça o palhaço por falsidade ideológica, depois que Tiririca afirmou à Veja que não havia declarado bens em seu nome no TSE, em função de processos movidos por uma ex-mulher.

De início, Tiririca manteve o papel de abestado, dizendo que não sabia o que faz um deputado e que descobriria após eleito. Criticado no horário eleitoral, adotou projetos contra discriminação do povo nordestino e incentivos para circos.

O voto é uma manifestação que se expressa com uma estética de duas vertentes: uma da barriga para cima, de retórica culta e escolarizada, com apelo entre os bem nascidos. E outra da barriga para baixo, de discurso mais simples e tosco, eventualmente grotesco, para os mais pobres. A proposta de Tiririca está neste segundo grupo diz Muniz Sodré, jornalista, escritor e professor-titular da Escola de Comunicação da UFRJ.