Título: Com dinheiro, 2 anos de Bolsa Família
Autor: Beck, Martha; Paul, Gustavo
Fonte: O Globo, 25/09/2010, Economia, p. 34

Governo teve custo de R$30 bi e arcará com maior parte do risco da Petrobras

BRASÍLIA. O aumento da participação do governo no capital da Petrobras faz sentido econômico no que diz respeito à perspectiva futura de elevação dos dividendos distribuídos pela empresa, segundo analistas - este ano, para fechar as contas e fazer frente a investimentos, a União espera R$19,1 bilhões de todas as estatais. Porém, essa estratégia traz um aumento substancial dos riscos, inerentes à atividade petrolífera, que podem frustrar as receitas esperadas e até gerar perdas para os cofres públicos. Diante desse quadro, os especialistas divergem sobre se foi acertado ou não o movimento - que custou aos cofres públicos quase R$30 bilhões.

O esforço para obter uma fatia maior da Petrobras teve um custo estimado de R$29,37 bilhões, diferença entre o que seria necessário para acompanhar a oferta sem diluir participação e o que foi desembolsado efetivamente pelos entes públicos sócios da estatal. Com os recursos, daria para custear mais de dois anos do programa Bolsa Família (R$12,4 bilhões anuais), construir uma hidrelétrica e meia de Belo Monte (maior do Brasil, está avaliada em R$19 bilhões) ou todo o Complexo do Madeira (usinas de Santo Antônio e Jirau, orçadas em R$23,1 bilhões).

Iniciativa não altera controle que governo já detinha

Para alguns analistas, a União não tinha outra opção, devido à necessidade muito grande de investimentos da estatal - para o período 2010-2014, o plano da empresa prevê R$224 bilhões. Nesse caso, argumentam, era preciso um reforço de caixa muito grande, que a disposição do setor privado não acompanharia.

- Com um plano de investimento desse porte, é razoável que a participação do governo fosse maior. O setor privado não daria conta dessa estratégia - afirmou Zaina Latif, economista sênior para América Latina do Royal Bank of Scotland.

Para outros, porém, a petrolífera poderia ter levantado recursos com um chamamento de capital, no qual a Petrobras conclamaria os acionistas a injetarem dinheiro na empresa. A União poderia ficar de fora, diz o professor Jorge Madeira Nogueira, do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB).

- É possível fazer um aumento de capital sem usar ações. A Petrobras é uma empresa de alto nível técnico e boa governança, o que iria atrair capital suficiente do setor privado - diz o consultor Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).

A maioria dos analistas argumenta que o pagamento será feito em reserva, uma vez que a União cedeu à Petrobras quase cinco bilhões de barris de petróleo, cujo valor acabou definindo o aporte oficial e o tamanho da capitalização. Mas Pires, por exemplo, questiona o mecanismo de cessão onerosa. Para ele, o governo poderia ter feito um leilão, que garantiria receitas imediatas (bônus de assinatura), além de participações governamentais de alto valor:

- Há muitos lugares para colocar esse dinheiro, que acabou ficando na Petrobras.

Operação foi influenciada pelas eleições, diz analista

Para os analistas, não há dúvida de que a opção foi fortemente influenciada pela estratégia política desenhada no Palácio do Planalto. Esta, na prática, não mudou em nada o controle que a União já exerce sobre a Petrobras.

- Eles (o presidente Lula e a presidenciável petista e ex-ministra Dilma Rousseff) colocaram o aumento da participação da estatal em seus discursos por razões políticas, porque há setores preocupados - analisa Luiz Pinguelli Rosa, diretor da Coppe/UFRJ.

O analista em contas públicas e professor da PUC-SP Waldemir Quadros lembra que o desempenho das estatais tem sido importante para o esforço fiscal da União, o que dá caráter administrativo à estratégia política.