Título: Capitalização pode dar reforço de R$30 bi para superávit primário
Autor: Beck, Martha; Paul, Gustavo
Fonte: O Globo, 25/09/2010, Economia, p. 34

Tesouro recebe R$75 bi por cessão de barris, mas injeta R$45 bi na Petrobras

Martha Beck, Gustavo Paul e Patrícia Duarte

BRASÍLIA. A capitalização da Petrobras poderá dar ao governo um reforço de R$30 bilhões para o cumprimento da meta de superávit fiscal primário em 2010. Segundo técnicos do governo, a economia para o pagamento de juros da dívida pública ficará maior devido a uma triangulação do Tesouro Nacional com a BNDESPar - braço de investimentos do BNDES.

A operação foi montada pela equipe do secretário do Tesouro, Arno Augustin, diante do forte aumento dos investimentos públicos, especialmente os do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), este ano, que estão tornando difícil que se chegue aos 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos pelo país) fixados para a meta.

A União receberá cerca de R$75 bilhões pela cessão onerosa de quase cinco bilhões de barris de petróleo do pré-sal para a Petrobras. Esses recursos deveriam ser usados para capitalizar a empresa. Mas a estratégia adotada acabou sendo diferente. Como a BNDESPar também entrou na capitalização, o Tesouro não precisará desembolsar todo o valor. Ele pode emitir até R$45 bilhões em títulos para injetar na Petrobras. O restante será feito pela BNDESPar.

Dessa forma, na hora em que a Petrobras pagar os R$75 bilhões da cessão onerosa, o Tesouro terá uma sobra de R$30 bilhões para o superávit primário. Segundo os técnicos, os números ainda estão sendo fechados, mas o quadro é de uma sobra significativa para a meta fiscal.

Até o fim do ano, esforço fiscal tem de dobrar

Diante dessa sobra, há quem diga na equipe econômica que, dependendo da forma como o Tesouro calibrar seus gastos este ano, ele poderá não precisar de todos os R$30 bilhões e ficar com uma sobra para outros fins, como dar mais fôlego ao BNDES. A emissão dos títulos para a capitalização deverá ser feita na próxima terça-feira e a liquidação, na quinta-feira.

Até julho, o superávit primário acumulado em 12 meses estava em 2,03% do PIB, ou R$68,64 bilhões. Quando se considera apenas o governo central (Tesouro, Previdência Social e Banco Central), a meta é de R$76 bilhões, mas até julho a economia para o pagamento de juros era de R$25,6 bilhões. Nos cinco meses seguintes, o desafio é entregar mais que o dobro do que já foi feito em sete meses.

Apesar de contar com recordes de arrecadação nos últimos meses em função do crescimento da economia, o Tesouro precisa administrar a forte elevação dos investimentos - de 63% até julho - com o crescimento natural das despesas que ocorre no fim do ano. Entre esses gastos está, por exemplo, o pagamento do décimo terceiro salário.

Outras manobras vêm sendo usadas pelos técnicos para reforçar o caixa. Entre elas está a antecipação de dividendos pagos por empresas estatais. Até agosto, esses valores chegaram a R$9,9 bilhões - 52% dos R$19,1 bilhões que o governo federal espera obter este ano. No ano passado, a estratégia foi parecida: a União recebeu R$10,4 bilhões no mesmo período. Historicamente, esses valores ficavam em torno de R$5 bilhões no primeiro semestre.

O governo considera cumprido o objetivo de elevar a participação da União na Petrobras após a capitalização da empresa, ao chegar preliminarmente a 48% do capital social, mesmo antes de fechar um lote adicional de 5% das ações. Embora os estrategistas políticos do Palácio do Planalto quisessem, por razões políticas, chegar ao controle total da empresa, com 50% mais uma das ações totais, a área técnica sempre argumentou que isso não fazia sentido econômico. Afinal, o poder de controle estava, e permanece, garantido pela participação com 57,5% das ações ordinárias (com direito a voto).

Meta era ter ao menos 45% do capital social da estatal

A meta era alcançar ao menos 45% do capital social (ações preferenciais mais as ordinárias), considerando o Tesouro e os demais entes públicos, controlados em última análise pela União (BNDES, BNDESPar, Caixa e Fundo Soberano). Sob esse aspecto, o resultado da operação foi comemorado ontem nos principais gabinetes do governo.

- Foi um sucesso completo. Houve grande demanda pelas ações da empresa. O governo e os agentes conseguiram ampliar sua fatia na Petrobras - disse um técnico envolvido.

Dentro da equipe econômica, avalia-se que os 48% são um resultado positivo, por duas razões. Ao aumentar sua parcela na estatal, a União receberá mais dividendos, e os minoritários não perderão sua influência.

- O governo vai receber mais dividendos. E os 48% não significam alterações fundamentais na articulação que o governo tem na estatal nem perda de influência dos demais acionistas. As obrigações com os minoritários não serão alteradas - afirmou outro técnico.

Nos bastidores, essa maior presença estatal resultante da capitalização é considerada de menor importância. Técnicos também rebateram as críticas de que o aumento da parcela pública pode ser negativo por dar maior margem a ingerências políticas na empresa:

- Quem fala isso revela um profundo desconhecimento do assunto. O governo já tinha controle do capital votante na empresa. A intenção nunca foi estatizar ou intervir.

Outra fonte lembrou que os 48% de participação podem crescer mais um pouco, já que a Petrobras pode ainda fazer mais uma oferta suplementar.