Título: STF deve um desfecho sobre a Ficha Limpa
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Fonte: O Globo, 25/09/2010, Opinião, p. 6

O inusitado empate em cinco votos para cada lado, no julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da aplicação da Ficha Limpa no caso da candidatura ao governo de Brasília de Joaquim Roriz, torna ainda mais especial a tramitação desta lei.

Nascida de um projeto de origem popular, como previsto na Constituição de 88, a lei recebeu adesão maciça na sociedade. A proposta da nova legislação foi entregue ao Congresso no final do ano passado, sustentada em mais de um milhão de assinaturas. E elas continuaram a ser recolhidas enquanto o projeto transitava pelas agendas de debates e votações na Câmara e no Senado. O ceticismo sobre o futuro da iniciativa era diretamente proporcional à velocidade com que o projeto atraiu apoio. Como o padrão ético da vida pública caíra num vácuo nos últimos tempos, com muitos donos de prontuários policiais e nome em processos instaurados na Justiça agindo sob a proteção de imunidades conquistadas em eleições legislativas, por isso mesmo era impensável que uma proposta de normas contra esta banda podre pudesse um dia virar lei. Mas deu certo e, como clamam os eleitores, a legislação eleitoral passou a contar com filtros mais eficientes para avaliar a qualificação ética de quem pretende ser representante do povo. Um ponto-chave da discussão pós-aprovação da lei é se a Ficha Limpa pode ser aplicada nesta eleição ou apenas a partir da próxima, em 2012. É o que dividiu o STF no julgamento da rejeição ao pedido de registro de Roriz, pela Justiça Eleitoral.

Roriz caiu na malha da Ficha Limpa por ter renunciado ao cargo de Senador, em 2007, para escapar de processo de cassação, uma rota de fuga muito usada no Congresso, agora obstruída pela nova lei. Mas foi a aplicabilidade da nova legislação que rachou o Supremo.

O ministro Cezar Peluso fez bem ao não usar a prerrogativa de presidente da Corte e votar duas vezes - "não tenho vocação para déspota". Daria vitória à tese de que, por alterar a legislação eleitoral, a Ficha Limpa precisaria ter sido aprovada um ano antes das eleições. Com ele alinharam-se Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes, Celso de Mello e José Dias Toffoli.

A melhor interpretação, porém, é que a Ficha Limpa não altera a legislação, apenas estabelece novos critérios de avaliação do pedido de registro de candidatura, sem deixar de tratar igualmente todos os políticos. É para proteger a isonomia que se estabelece este prazo. Além disso, como argumenta o ministro Ayres Britto, relator do processo, por tratar de princípio constitucional - a probidade do homem público -, a lei não se subordina a prazos. Com Britto ficaram Cármen Lucia, Ricardo Lewandowski, Ellen Gracie e Joaquim Barbosa.

É indesejável o impasse a uma semana do primeiro turno do pleito. Ontem, o cenário ficou mais nebuloso, com a decisão de Roriz de renunciar à candidatura em favor da mulher. O fato novo levou magistrados a levantar a possibilidade de o processo ser engavetado.

Não parece a melhor alternativa, pois alongará o período de incertezas para eleitores no próximo fim de semana, que ficarão na dependência da chegada de um processo sobre esta matéria ao STF. Como os ministros resolveram, na sessão do caso Roriz, que a decisão neste processo valeria para todos os demais - teria " repercussão geral" -, o mais sensato é que cheguem a um acordo sobre a aplicação da lei antes de domingo, 3.