Título: Troca de cartas revela o fisiologismo do Congresso
Autor: Moreno, Jorge Bastos
Fonte: O Globo, 28/09/2010, O País, p. 12

Dois meses depois da morte do filho Luís Eduardo Magalhães, o então presidente do Senado, Antônio Carlos Magalhães, no encontro do PFL para ratificar o apoio à candidatura à reeleição de Fernando Henrique Cardoso, jurou amor eterno ao presidente da República.

Uma coisa eu prometo: depois de tudo o que o senhor fez pelo meu filho, eu posso brigar com todo mundo, menos com V.Ex.ª, sr. presidente Fernando Henrique Cardoso.

No final do ano, num jantar com jornalistas, ACM soube por um deles: FH já escolheu seu novo líder no Congresso, o pato Donald.

Quem é o pato Donald? perguntou à repórter que o informara.

Uai, o senhor não sabe? Quem usa gravatas com desenhos de Walt Disney? O Ney Suassuna!!! respondeu ACM às gargalhadas.

Mas, ao perceber a gravidade da informação para quem não se dava bem com Suassuna, o senador ficou sério: Isso não pode ser verdade! Você me autoriza a dizer isso para o presidente? De que eu sei que ele já escolheu o Suassuna? Não! Que o apelido do Suassuna é pato Donald! E a repórter, cheia de maldade: Ah, ele deve saber! Mas, se não souber, pode dizer, desde que não diga que fui eu! Mas todo mundo sabe.

No dia seguinte, ACM correu para o Palácio do Planalto.

Contou tudo o que sabia e disse que não aceitava o nome de Suassuna.

Fernando Henrique, que absorvia as maldades na hora, perguntou-lhe: E você tem outro nome para a gente botar no lugar do pato Donald? FH ganhou o ACM na hora: Que tal o Fogaça, presidente? FH, que não gostava muito das posições críticas do senador José Fogaça, coçou a cabeça e blefou: Não perca seu tempo.

Fogaça não aceita. Já o sondei várias vezes! Sempre o quis muito, mas ele é orgulhoso.

Nem fale com ele. Ele vai pensar que é insistência minha. E aí fica pior...

Mas quem disse que ACM desiste de uma coisa facilmente? Foi o Fogaça.

Fernando Henrique não desistiu de você e me pediu para eu te convencer a ser o líder do governo.

José Fogaça, que nunca fora convidado para nada, aceitou de pronto. ACM voltou a FH para dizer que Fogaça aceitara o convite. Jogo jogado, FH comunicou a Renan Calheiros, que já era dono do PMDB no Senado. Renan vetou na hora e fincou o pé: A bancada não abre mão do Suassuna.

ACM, pendurado na broxa, escreve então uma dura carta a FH, cobrando-lhe o compromisso e dizendo que o governo, ao optar por Suassuna, buscou o caminho curto do fisiologismo, da troca de favores e citou o filho morto para dizer que Luís Eduardo admirava FH exatamente por representar a antítese de tudo isso.

A resposta de FH vem num tom um pouco acima do pito do ACM. Usa a citação do senador ao filho para lembrar que Luís Eduardo e ele sempre discutiram a melhor forma de acabar justamente com o caciquismo, o coronelismo, presente ainda no país, principalmente no Nordeste.

Só faltou dizer Bahia, por exemplo.

Sobre o fisiologismo do Congresso, FH traçou um quadro cruel, porém verdadeiro.

Se publicada na época, a cartaresposta poderia ter provocado uma crise institucional.

Hoje, seria uma mera constatação.

O presidente alertou, porém, que aquele era o Congresso que o povo mandara para Brasília e que, infelizmente, era obrigado a conviver com ele, até porque nunca teve o viés autoritário de pensar sequer em controlá-lo, quanto mais fechá-lo, no que seria até aplaudido pelos que serviram à ditadura.

A escolha do líder deu um nó tão grande que só seis meses depois o cargo foi preenchido.

E pelo senador Fernando Bezerra. No mesmo dia, Suassuna fez um veemente discurso contra FH, mas depois acabou sendo seu ministro.

Suassuna só veio a realizar seu sonho já no governo do presidente Lula.

Quanto à promessa de ACM de nunca romper com FH, ela foi quebrada em fevereiro de 2001, depois de sucessivas críticas a FH. No dia do rompimento, o presidente desabafou: Eu estava na Espanha, quando o Luís Eduardo morreu.

Dei uma banana para o Rei e vim correndo para o Brasil para ficar ao lado do Antônio Carlos.

Durante sua agonia no Incor, em julho de 2007, ACM recebeu duas vezes a visita de FH. Numa delas, confessou: Eu fui injusto com o senhor