Título: Cenário de destruição
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Fonte: Correio Braziliense, 06/07/2009, Mundo, p. 14

Cúpula formada pelos sete países mais ricos do mundo e pela Rússia se reúne a partir de quarta-feira em Áquila, cidade medieval italiana atingida por um grande terremoto há três meses. População se queixa da demora nas obras de reconstrução

Hoje faz exatos três meses que um terremoto de 6,3 graus na escala

Richter atingiu a região de Abruzzo, na Itália. O epicentro do tremor de 30 segundos ocorreu na área da capital, Áquila, o que fez com que as construções históricas da cidade medieval fundada em 1230 não resistissem à tragédia, que deixou ainda o saldo de quase 300 mortos e 60 mil desabrigados. Passados 90 dias, porém, o cenário não é muito diferente do registrado poucos dias depois do desastre. A reconstrução anda a passos lentos. Pilhas de destroços permanecem intocados e milhares de desabrigados seguem vivendo em barracas de plástico. ¿Os escombros removidos para liberar as estradas foram colocados a 20m das tendas. Você não pode imaginar o cheiro horrível que sai dali¿, denuncia a moradora Valentina Da Felice, em um dos muitos blogs e sites que publicam notícias e críticas sobre a situação na cidade.

É para essa paisagem que os líderes mundiais vão olhar durante a Cúpula do G8 (grupo dos sete países mais ricos do mundo mais a Rússia), que começa na cidade na quarta-feira. No fim de abril, o primeiro-ministro, Silvio Berlusconi, decidiu transferir o encontro de La Maddalena, na Sardenha, para Áquila. Segundo ele, a mudança é uma manifestação de solidariedade com as vítimas, mas causou polêmica e protestos entre moradores e analistas. Muitos acreditam que se trata de uma manobra política do presidente do Conselho para abafar os diversos escândalos em que estaria envolvido (veja perfil). ¿Ao mesmo tempo em que o centro de Áquila permanece inseguro, vemos obras dispendiosas serem levadas adiante com uma impressionante velocidade e um ritmo recorde. Não achamos que foi boa ideia ter o G8 aqui¿, atacou a ativista Sara Vegni no jornal Euronews.

Governo e população discordam sobre o ritmo em que anda o renascimento da cidade. A semana passada foi recheada de eventos ligados à reconstrução da localidade. Berlusconi esteve em Abruzzo para inaugurar o Aeroporto de Preturo, onde desembarcarão os chefes de Estado e comitivas que participarão do G8. Para o premiê, a abertura do local é uma demonstração de que, da tragédia, ¿surge um grande bem: a confiança dos italianos no Estado¿. Em Roma, o governo organizou o Dia de Áquila, para fazer um balanço dos trabalhos desenvolvidos no local. ¿Até setembro, ninguém mais vai morar em tendas¿, prometeu o premiê, acompanhado do ministro de Economia e Finanças, Giulio Tremonti.

Eco O discurso oficial, porém, não ecoa entre a população. Desde o desastre, diversas associações e comitês, como o Epicentro Solidale e o L¿Aquila Rinasce, foram formados para cobrar mais agilidade nas obras. No fim do mês passado, as ruas de Áquila se encheram de manifestantes que ignoraram as chuvas de verão para protestar contra a inação oficial. ¿Queremos fatos, não promessas¿, disse o prefeito da cidade, Massimo Cialente, durante um protesto em frente ao Palácio Montecitorio, sede da Câmara dos Deputados, em Roma, no dia em que estava na pauta a votação da lei que estabelece as medidas imediatas de ajuda a Abruzzo. As ações

preveem, entre outras coisas, a reconstrução das casas, anulação de hipotecas, edificação imediata de escolas e incentivo a pequenas empresas.

Os manifestantes querem mais garantias de indenização, da reabertura do centro histórico e maior envolvimento dos moradores nas obras. Com a chegada do aniversário da tragédia, foi organizada uma vigília que estava prevista para ocorrer entre a meia-noite e as 3h32 de hoje ¿ horário em que o terremoto começou.

Lula quer G20 forte

Os debates na reunião da Cúpula do G8, que ocorre em Áquila, na Itália, de quarta a sexta-feira, devem girar em torno de possíveis maneiras de efetivar o desenvolvimento da África e dos países emergentes, com foco nos assuntos de segurança, meio ambiente, energia, alimentação e infraestrutura. Na pauta de discussões estão, ainda, a crise econômica mundial, aquecimento global, projetos de parceria para a agricultura e segurança alimentar, as guerras no Afeganistão e no Paquistão, a situação do Irã e o comércio internacional.

As economias emergentes, que fazem parte do G5, também participam da cúpula. São elas: Brasil, África do Sul, China, México e Índia. O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, como antecipou durante viagem à França neste fim de semana, pretende defender que as discussões sobre a economia mundial passem a se desenrolar no G20, grupo formado por nações desenvolvidas e avançadas, e não mais no G8.

Na Itália, a polícia reforçou a segurança nestes dias que antecedem o encontro. No sábado, manifestantes construíram uma orelha gigante em papel marchê para chamar a atenção dos líderes mundiais. Dentro da escultura, erguida em frente ao Coliseu, em Roma, foram colocados pedidos que os ativistas gostariam que chefes de Estado atendessem.

{ perfil } Silvio Berlusconi Um líder polêmico, poderoso e bilionário

Silvio Berlusconi é uma figura midiática. A imagem que projeta encobre a carreira política: sua vida pessoal parece despertar mais interesse do que os projetos para o governo italiano. O primeiro-ministro da Itália e empresário avançou na política de maneira meteórica, sempre cercado por controvérsias e polêmicas. Mas ele não parece se importar. Ao contrário, aparenta se divertir por ser ¿ bem ou mal ¿ o centro das atenções.

Foi designado primeiro-ministro em 1994, logo depois de ser eleito membro do Parlamento. No entanto, seu mandato ruiu devido a divergências internas na coligação da Força Itália, partido ao qual era filiado. Berlusconi perdeu as eleições legislativas de 1996, mas saiu vitorioso em 2001. Deixou o cargo cinco anos depois, aceitando a vitória do centro-esquerdista Romano Prodi nas eleições. Em 2008, conquistou o terceiro mandato. Parte da mídia acredita que ¿il Cavaliere¿, como é chamado, só teria entrado para a política para salvar as empresas da falência. Além disso, a honestidade do premiê foi questionada diversas vezes, seja por ter sido indiciado por corrupção, seja pelas suspeitas de envolvimento com a máfia.

Como empresário, é poderoso e influente. Ele é o fundador da companhia do setor financeiro Fininvest, dono do banco e seguradora Mediolanum e das distribuidoras cinematográficas Medusa e Penta, além do time de futebol Milan. Segundo a revista Forbes, Berlusconi tem fortuna avaliada em US$ 6,5 bilhões. Em 2002, a Federação Internacional dos Jornalistas criticou o que considerou ameaças à liberdade de imprensa durante seu governo. Isso porque o premiê é dono também das principais empresas ligadas ao setor informativo do país, como a Mediaset, que detém metade da audiência televisiva nacional.

Apesar do controle sobre grande parte da mídia nacional, o premiê não escapa de ver escândalos relacionados a seu nome pipocarem. Os jornais Corriere della Sera e La Repubblica, por exemplo, estão sendo processados por terem divulgado fotos de uma festa realizada em uma de suas casas, na Sardenha. Nas imagens, aparecem mulheres fazendo topless e um homem completamente nu.

A vaidade do político e empresário é tanta que supera a preocupação com não se envolver em escândalos e cometer gafes. Aos 72 anos, já fez plásticas no rosto, nas pálpebras e no pescoço, além de um implante capilar. As situações embaraçosas nas quais se envolve também são de grandes proporções. Uma das declarações que incomodou os cidadãos de todo o planeta ocorreu em abril passado, quando comparou a situação dos desabrigados pelo terremoto que devastou a região de Abruzzo com um ¿camping de fim de semana¿.

A vida conjugal do político é prato cheio para revistas de fofoca e tabloides. A notícia de que o PPL pretendia apresentar mulheres jovens e bonitas como candidatas às eleições parlamentares de junho irritou a mulher e mãe de três dos cinco filhos do primeiro-ministro, Veronica Lario. ¿Alguém escreveu que isso é apenas para a diversão do imperador¿, comentou, se referindo ao marido. ¿Eu concordo.¿ Ela também o acusou de se relacionar com uma jovem de 18 anos. Ele teria ido à festa de aniversário de Noemi Letizia e lhe dado um colar de brilhantes. Para Veronica, de 53 anos, que entrou em seguida com um pedido de divórcio, a situação foi ¿a gota d¿água¿. ¿Il Cavaliere¿ negou as acusações e exigiu que a mulher lhe pedisse desculpas publicamente.

O escândalo mais recente também envolve sua fama de mulherengo. A Justiça italiana investiga suspeitas de prostituição nas festas que ocorrem em suas casas. ¿Nunca paguei por uma mulher. Nunca entendi a satisfação que poderia haver sem o prazer da conquista¿, defendeu-se. Apesar de tudo, sua aceitação entre os eleitores é, teoricamente, alta. Em 25 de junho, em uma entrevista coletiva, ele foi enfático: ¿Sou assim, não vou mudar, os italianos me querem como eu sou, tenho 61% de popularidade¿.

Sou assim, não vou mudar, os italianos me querem como eu sou