Título: Europeus contra a austeridade
Autor: Guilayn, Priscila
Fonte: O Globo, 30/09/2010, Economia, p. 31

Manifestações em 14 países e greve na Espanha marcam protestos sobre medidas de governos

EM BARCELONA, A greve tomou contornos violentos: bombeiros tentam apagar as chamas de uma lixeira incendiada no Centro da cidade

BARRICADA DE pneus em fogo na cidade espanhola de Muros del Nalon

GRUPOS ANTICAPITALISMO saquearam lojas em Barcelona

EM MADRI, a população foi às ruas protestar contra as medidas de austeridade e a reforma trabalhista do governo: ¿No!¿

¿ESPECULAÇÃO, UM impulso para a economia¿

¿SARKOZY E Carla¿ marcaram presença na manifestação em Bruxelas

AEuropa foi varrida ontem por protestos contra as medidas de austeridade adotadas pelos governos no rastro da crise financeira global. A Espanha, por sua vez, enfrentou a quinta greve geral da história de sua democracia. Bruxelas, onde fica a sede da União Europeia (UE), foi palco de uma ¿euromanifestação¿, que reuniu mais de cem mil pessoas, segundo os sindicatos. A polícia falou em 80 mil. Os manifestantes levavam cartazes, em várias línguas, com os dizeres ¿Não à austeridade¿. Cerca de 210 pessoas foram detidas.

França, Grécia, Portugal, Irlanda, Itália, Lituânia, Letônia, República Tcheca, Polônia, Eslovênia, Sérvia, Romênia e Chipre também tiveram manifestações, com paralisações de trabalhadores gregos e portugueses. Em Dublin, um homem foi preso ao protestar, de forma solitária, em frente ao Parlamento. Ele bloqueou o acesso ao prédio com um caminhão de cimento, pedindo ¿a demissão de todos os políticos¿.

A greve geral espanhola não foi tão forte como a de 1988, quando tudo parou, ¿inclusive a respiração¿, em palavras do então presidente do Governo, Felipe González. Mas teve uma adesão bem superior à esperada: as pesquisas previam participação de apenas 18% dos trabalhadores. No cálculo dos sindicatos, foram 70%. O governo, porém, negou-se a dar uma cifra média. Para analistas políticos e econômicos, não houve vencedores nem perdedores.

¿ A adesão foi desigual e o efeito, moderado. Não vamos entrar em controvérsia sobre cifras baseadas em estimativas ¿ disse o ministro do Trabalho, Celestino Corbacho. ¿ No setor industrial, a adesão foi de quase 100%, mas em hotéis, restaurantes e bares, não chegou a 3%.

Ele usou a palavra normalidade para definir a greve geral, apesar de 78 pessoas terem sido detidas no país. Centenas de voos foram cancelados. Três piqueteiros foram atropelados ao tentar impedir a entrada de trabalhadores em empresas de Madri, Barcelona e Ciudad Real (Castilla-La Mancha).

Zapatero chama sindicatos

Já Barcelona concentrou a atenção da mídia devido à violência dos protestos antiglobalização. Alguns manifestantes, encapuzados, chegaram a jogar coquetéis molotov dentro de um carro policial ¿ com os agentes dentro. Vitrines de lojas foram quebradas e a mercadoria, saqueada.

A Generalitat (o governo local) repudiou a violência e disse que os incidentes não foram provocados por sindicalistas, mas por grupos anticapitalistas. A informação foi corroborada pela polícia. Segundo o jornal ¿El País¿, em toda a região da Catalunha, 33 pessoas foram presas e 57 tiveram ferimentos leves. Entre os feridos, 28 policiais e um enfermeiro dos serviços de emergência.

¿ A adesão à greve tem poucas interpretações: foi um sucesso inquestionável ¿ avaliou Ignacio Fernández Toxo, secretário-geral do maior sindicato espanhol, o Comissões Operárias.

Em alguns setores a greve foi mais notada que em outros. O lixo acumulado acusava a adesão total dos garis. A indústria parou e os transportes (metrôs e trens) circularam apenas para cumprir os serviços mínimos aos cidadãos (segundo o governo, a adesão no setor foi de 21%). Em Madri, piqueteiros impossibilitaram a saída dos ônibus, jogando pedras e ovos nos vidros.

No Centro da capital, muitas lojas nem abriram. Outras deixaram o portão de ferro pela metade, fechando-o quando piqueteiros se aproximavam. O governo afirmou que somente 10% dos comerciantes aderiram à greve. Os hospitais funcionaram como se fosse domingo, e a adesão dos professores variou de 4% a 60%, dependendo da região.

¿ Respeitamos a convocação de greve geral e sabemos que amanhã (hoje) haverá muito trabalho para realizar através da via do diálogo ¿ afirmou Corbacho.

Embora se mantenha firme com sua reforma trabalhista, um dos pivôs da greve, o socialista José Luis Rodríguez Zapatero ¿ que vem penando com uma popularidade inferior a 30% ¿ está disposto a negociar sua implementação com os sindicatos. O Executivo ainda chamou os sindicatos para discutirem juntos, hoje, a reforma da aposentadoria. O convite foi recusado, mas o governo disse que manterá sua ¿mão estendida¿.

¿ Zapatero está em uma crise tão grande de credibilidade e de imagem, tanto nacional como internacionalmente, que essa greve geral não significará uma mudança qualitativa especial ¿ opina o cientista político Josep Maria Reniu, professor da Universidade de Barcelona.

UE quer multas para disciplinar países

Indiferente aos protestos, a Comissão Europeia, órgão executivo da UE, propôs ontem adotar sanções compulsórias para punir os governos que desrespeitarem o limite de endividamento, de 3% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos em um país). Estes teriam de depositar em Bruxelas o equivalente a 0,2% de seu PIB. Em caso de reincidência, haveria multa anual de 0,1% do PIB.

As propostas ainda têm de ser votadas pelos membros da UE e pelo Parlamento Europeu. Mas Portugal já iniciou ontem as discussões sobre o Orçamento de 2011 e, segundo a imprensa local, o governo estuda elevar impostos. A França, por sua vez, tenta fugir da adoção de medidas de austeridade: ontem o governo Nicolas Sarkozy prometeu controlar os gastos com serviços públicos e acabar com deduções tributárias para reabastecer os cofres públicos em 2011.

(*) Com agências internacionais

oglobo.com.br/economia