Título: Dólar fica abaixo de R$1,70 pela 1ª vez em 2 anos
Autor: Alencar, Emanuel; Novo, Aguinaldo
Fonte: O Globo, 01/10/2010, Economia, p. 35

Moeda fecha a R$1,692, mesmo com dois leilões do BC. Para analistas, tendência de desvalorização é mundial

RIO, SÃO PAULO e LONDRES. O dólar comercial fechou ontem abaixo de R$1,70 pela primeira vez em pouco mais de dois anos. A moeda recuou 0,76%, cotada a R$1,692 para venda. Em 3 de setembro de 2008, o dólar fechou a R$1,677 e, 12 dias depois, o banco americano Lehman Brothers ia à falência, desencadeando uma grave crise financeira mundial. No mês, a moeda perdeu 3,70%. No trimestre a queda é de 6,21% e no ano, de 2,81%.

O Banco Central (BC) fez dois leilões e retirou de US$1 bilhão a US$1,1 bilhão de circulação, segundo estimativas de mercado. A Prosper Corretora avalia que a tendência ainda é de desvalorização da moeda americana a curto prazo. Além da enxurrada de dólares que se seguiu à capitalização da Petrobras, os economistas ressaltam que moedas de outros países também estão em alta, o que reflete a percepção de enfraquecimento da economia americana.

- Se o BC seguir a prática de fazer leilões já previamente esperados, dificilmente conseguirá frear a desvalorização. Mas o cenário externo está pesando mais que a entrada de divisas. Se apenas o fluxo tivesse força para mudar o caixa, as intervenções do BC seriam suficientes para evitar a queda do dólar - diz Jorge Knauer, diretor da mesa de câmbio do Banco Prosper.

Mobius: governos não devem brincar com especuladores

Para Cristiano Oliveira, economista-chefe do Banco Safra, o crescimento da economia brasileira, somado à alta taxa de juros, atrai o investidor externo.

- Existe um vetor global que colabora na apreciação do real: a tendência de desvalorização do dólar em relação a outras moedas, como o dólar australiano e o canadense. Acredito em câmbio entre R$1,65 e R$1,70 nos próximos meses.

Para analistas, qualquer medida de curto prazo do governo terá efeito nulo ou, na melhor das hipóteses, limitado para controlar a alta do real.

- Intervenções no mercado podem amenizar o problema. Mas imaginar que são a solução não faz sentido - acrescenta Roberto Padovani, economista-chefe do WestLB.

Em relatório a clientes, ele projeta um dólar de R$1,65 em dezembro e de R$1,60 um ano depois. Preocupado com o dólar, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e até o presidente do BC, Henrique Meirelles, admitiram elevar a taxação sobre capital externo. Padovani classifica a proposta de remendo.

Na última segunda-feira, Mantega disse que o mundo vive uma "guerra cambial", com governos manipulando o câmbio para tornar suas exportações mais competitivas. Ontem o megainvestidor Mark Mobius, presidente do Templeton Asset Management, disse que os governos não devem brincar com os especuladores do câmbio:

- O volume dos derivativos no mundo está em torno de US$600 trilhões. Portanto, os governos devem ser especialmente cautelosos em relação ao controle do câmbio, porque aqueles que apostam em derivativos são loucos por controle cambial.

Em NY, Dow Jones registra melhor setembro em 70 anos

Cristiano Souza, economista do Santander, lembra que a taxação já em vigor, de 2%, foi inócua para o controle da entrada de capital. Para ele, a solução é um ajuste fiscal que permita reduzir os juros e, com isso, tirar a diferença entre as taxas domésticas e as internacionais que atrai os investidores.

- O câmbio no Brasil se valoriza há praticamente seis anos. Isso vem desde o segundo trimestre de 2004 e só recuou um pouco em setembro de 2008, por conta da crise internacional. Ou seja, esse não era um tema novo para o governo - diz Padovani.

O presidente do BC admitiu que novas medidas de estímulo nos EUA vão intensificar a entrada de capital que os emergentes já tentam controlar.

- Embora benéfica para a economia americana, a segunda rodada de estímulos poderia acentuar a liquidez e o excesso de ingressos (globais) - disse Meirelles à Reuters. - Não podemos permitir que nossas economias sejam desequilibradas enquanto permitimos que outras sejam equilibradas.

A Bolsa de Valores de São Paulo subiu ontem 0,28%, aos 69.429 pontos. O Dow Jones, mesmo recuando 0,44% ontem, fechou o mês em alta de 7,7%. Com isso, foi o melhor mês de setembro desde 1939.