Título: Irlanda volta a acender o alerta
Autor: Duarte, Fernando; Almeida, Cássia
Fonte: O Globo, 01/10/2010, Economia, p. 33

Governo diz que ajuda aos bancos pode atingir 50 bi. Déficit passará de 11% a 32% do PIB

FILIAL DO Anglo Irish Bank em Belfast: ministro ressalta que quebra seria catastrófica para a economia irlandesa

Apesar de ter uma das menores populações e ser uma das menores economias da União Europeia (UE), a Irlanda se transformou numa espécie de sismógrafo do bloco na crise econômica de 2008. E ontem sinalizou a iminência de novos abalos ao anunciar a revisão dos valores que terá de injetar nos bancos Anglo Irish Bank, Allied Irish Bank e Irish Nationwide Building Society (INBS). O governo afirmou que, na pior das hipóteses, a ajuda chegará a 50 bilhões, sendo 34 bilhões só para o Anglo. O ministro de Finanças, Brian Lenihan, admitiu que o valor é ¿horrendo¿.

Desde o início da crise, a Irlanda injetou cerca de 32 bilhões nos bancos. Ontem, o governo informou que o Anglo vai receber mais 6,4 bilhões, o INBS, 5,4 bilhões, e o Allied, 5 bilhões, porque só conseguirá metade dos 10,4 bilhões de que precisa com a venda de ativos no exterior.

Esse socorro levará o déficit orçamentário a 32% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos) da Irlanda este ano, disse Lenihan. Sem a injeção de capital nos bancos, o déficit ficaria em 11%. Segundo a revista britânica ¿Economist¿, o endividamento público atingirá 98,6% do PIB. Mas alguns analistas já falam em 140% em três ou quatro anos, quando todas as perdas forem contabilizadas.

O aumento do déficit obrigará o governo a rever seu orçamento pela quarta vez desde o início da crise. Lenihan garantiu ontem que o compromisso de reduzir o déficit para apenas 3% do PIB (o limite estabelecido pela UE) nos próximos quatro anos continua em pauta, o que sugere o endurecimento das já draconianas medidas de austeridade adotadas no país.

¿ Teremos de fazer um reajuste significativo, mas não poderíamos deixar o Anglo quebrar, por causa de seu peso na economia irlandesa. Seria uma calamidade ¿ afirmou Lenihan.

Para economista, país terá de recorrer ao FMI

O naufrágio do Anglo, um dos bancos que mais concedeu empréstimos imobiliários na bolha da construção civil que assolou a Irlanda na última década, em nada ajudaria um país já visto com desconfiança pelo mercado, a ponto de ter tido sua classificação reduzida pela agência de risco Standard&Poor¿s no mês passado.

O novo socorro aos bancos, porém, vai aquecer as discussões sobre a eficiência de pacotes de austeridade. As críticas começaram a surgir após o anúncio de que a economia irlandesa teve retração no segundo trimestre.

¿ É um risco muito grande quando se fala em austeridade por uma questão ideológica, não econômica. Concentrar-se na redução do déficit no momento em que a confiança generalizada está em baixa é uma temeridade ¿ avalia o economista britânico David Blanchflower, uma das vozes mais ativas contra pacotes de austeridade.

Ainda há as particularidades da Irlanda. Diferentemente de vizinhos como Reino Unido e Espanha, o país tem a desvantagem de uma população pequena (menos de 5 milhões) e de uma economia cujo crescimento espantoso a partir de meados da década de 1990 ¿ a origem do termo Tigre Celta ¿ baseou-se imensamente em investimentos estrangeiros. Além disso, o índice de desemprego está próximo de 14%.

¿ A revisão da ajuda aos bancos é um lembrete de que a crise na zona do euro está longe de ser contornada. E o fato de que o endividamento do governo irlandês aumentará substancialmente trará preocupações para o mercado ¿ afirma Ben May, economista da consultoria Capital Economics.

A economista da Galanto Consultoria, Monica Baumgarten de Bolle, ressalta que o grande nó da Irlanda é o tamanho de seu sistema bancário. Para ela, será inevitável que UE e Fundo Monetário Internacional (FMI) deem um pacote de ajuda de cerca de 100 bilhões para o país enfrentar a crise dos bancos:

¿ São bancos muito grandes para quebrar. Com o Anglo, por exemplo, a expectativa de perda supera 20% do PIB irlandês.

Durante a crise, o governo estatizou o Anglo e o Allied, tirando os ativos podres de suas carteiras e criando uma gestora de recursos para tentar recuperar as perdas. Esses ativos podres, ressalta Monica, são irrecuperáveis.

¿ Houve uma megacontração na atividade econômica no país. Antes do pico da crise, em 2008, crescia entre 5% e 6% ao ano e, no ano passado, enfrentou recessão de 5%. Essa situação teve repercussão no balanço dos bancos, mesmo livres dos ativos podres ¿ afirma a economista. ¿ A vantagem é que o prazo da dívida irlandesa é mais longo que o da Grécia. A ajuda pode ser escalonada por dois ou três anos.

Reação da sociedade é entrave ao ajuste

Monica afirma que há outros focos de incêndio na Europa e que o ajuste fiscal é o único caminho para a grande maioria dos países, à exceção de Alemanha e França, que poderão, no máximo, ¿prorrogar as medidas de austeridade para daqui a dois anos¿:

¿ A diferença entre os papéis de países como Irlanda, Portugal e Grécia em relação aos da Alemanha está cada vez maior. Ultrapassou o pior momento da crise financeira.

Segundo ela, os investidores estão cobrando mais que o dobro do que cobram para financiar a Alemanha, e a situação deve demorar de 12 a 18 meses até se normalizar.

O ajuste fiscal levou a uma reação da sociedade. Para o professor da UFRJ Luiz Carlos Prado, a Europa terá um longo período de baixo crescimento. A limitação está justamente na ¿força da sociedade civil¿ em enfrentar as medidas:

¿ Há um impasse político na condução do ajuste. Os países têm situações diferentes, o que dificulta a coordenação de políticas na região.

(*) Correspondente, com agências internacionais