Título: Na terra dos Calheiros, Residencial Lula
Autor: Gois, Chico de
Fonte: O Globo, 01/10/2010, O País, p. 14

Em AL, cidade castigada pelas cheias de junho terá conjuntos residenciais com homenagem a presidente e a irmão de Renan

A PLACA na entrada da cidade de Murici anuncia o projeto dos conjuntos, dentro do Minha Casa Minha Vida

MURICI (AL). Tempo de chuva para uns e de colheita para outros. Em Murici, uma das cinco cidades mais castigadas pelas enchentes de junho em Alagoas, a proximidade das eleições levou esperança, ainda que eventual, para os moradores e a possibilidade de a família Calheiros se aproveitar dos votos como se caíssem do céu. No município, que tem um eleitorado de 18.906 votantes, há mais de 8,8 mil pessoas desalojadas e desabrigadas. A esperança de quem perdeu tudo está numa placa instalada logo na entrada da cidade: informa que o município ganhará dois novos conjuntos habitacionais, oportunamente batizados com os nomes do presidente Lula e de um integrante da família Calheiros.

Placas com nomes estão na contramão da lei

Um dos conjuntos promete 1.053 unidades e, embora ainda não tenha tijolos assentados, já tem nome: chama-se Residencial Presidente Lula. O outro empreendimento, de 1.275 casas, nas mesmas condições, também já tem grafado o nome do patrono: Olavo Calheiros. Juntas, as duas obras, que fazem parte do Minha Casa Minha Vida, terão um investimento de R$95 milhões.

A família Calheiros domina a região. Renan Calheiros (PMDB) é candidato à reeleição no Senado e deve se eleger facilmente. Seu filho, Renan Calheiros Filho (PMDB), até abril era prefeito de Murici e renunciou para se candidatar a deputado federal. Já Olavo Calheiros, irmão de Renan e cujo nome aparece com destaque na placa, é deputado federal atualmente, mas irá concorrer a uma vaga na Assembleia Legislativa de Alagoas. Seu sonho é se tornar conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE). Em 2012, a família deve lançar como candidato à prefeitura um outro irmão do clã.

A lei proíbe que seja dado nome de pessoas vivas a avenidas, prédios públicos ou pontes. Mas a legislação é solenemente ignorada. No caso do conjunto Olavo Calheiros, o nome correto do empreendimento, segundo alegam, seria Major Olavo Calheiros. O major, já morto, foi o pai do clã.

Mas a empreiteira que foi contratada para a obra, e é responsável por colocar a placa no local, como manda a lei, retirou o "Major", atrelando, assim, a obra ao candidato. Ao lado da indicação do conjunto habitacional Presidente Lula, a impressão que fica é que foi Olavo quem conseguiu de Lula as moradias para os pobres da cidade.

Anteontem, no último dia de propaganda eleitoral na TV e no rádio para os candidatos a governador e senador, Renan Calheiros apareceu no vídeo pedindo votos e mandou um recado para a população que sofreu com as enchentes:

- Como fiz no primeiro programa, quero hoje, também, reforçar o meu compromisso com aqueles que tanto sofreram com as enchentes. Não desanimem. Não percam a esperança. Não abaixe a cabeça. Estamos trabalhando duro para reconstruir a sua casa, o seu negócio, o seu pequeno comércio. Não vou descansar até devolver a cada um de vocês uma vida mais digna, com mais renda e com mais empregos - declara Renan Calheiros, que usou uma gravação do presidente Lula na qual o presidente sugere que o eleitor vote no peemedebista para o Senado.

A Caixa Econômica Federal (CEF), responsável pelo empreendimento, confirmou que houve contratação da obra e informou que o contrato é recente, tanto que não houve ainda nenhuma medição para pagamento do serviço. Geralmente, isso ocorre 30 dias depois que a obra começa.

Segundo a Caixa, "batismo" foi feito por empreiteira

Ainda de acordo com a assessoria de imprensa da Caixa, os nomes dos empreendimentos são dados pelas empreiteiras e não há qualquer influência do banco. A assessoria também informou que, depois que a reportagem do GLOBO entrou em contato para saber o motivo de as obras homenagearem o presidente Lula, a Caixa determinou que a empreiteira retirasse a placa até passar a eleição, para não caracterizar influência política.