Título: Dez meses depois, Copenhague dá certo
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Fonte: O Globo, 01/10/2010, Opinião, p. 7

Não é só cá fora que o clima da Terra está esquentando. No escurinho dos laboratórios, ele empurra cientistas para o front de uma ¿revolução econômica, logística, tecnológica e social¿. E tem arsenais de relatórios, em que a ¿frieza dos números e de gráficos cheios de linha¿ esconde ¿paixões, simpatias, inimizades, cargos e prestígio¿. E, como não poderia faltar, dinheiro.

É por essas e outras que há um ano, quando o mundo se ensaboava para ir à conferência do clima em Copenhague, um sabotador anônimo inoculou as páginas do RealClimate com e-mails internos da Unidade de Pesquisa Climática da Universidade de East Anglia, na Inglaterra, para insinuar que, no fundo, o aquecimento global não passa de uma conspiração acadêmica de paranoicos com intrigantes.

Mas a tramoia serviu mesmo foi para provar que, feita como é por seres de carne e osso, até a melhor ciência se parece ¿com qualquer atividade humana, ainda que seja conduzida por doutores e prêmios Nobel¿. Diferente, na ciência do clima, é a busca de conhecimento de ¿velhas árvores, corais, em cavernas, no gelo dos picos mais altos da terra e nos lugares mais gelados do planeta, nos vulcões¿.

Isso transformou os cientistas em ¿montanhistas¿, ¿mergulhadores¿ ou ¿trekkers¿, misturando uma das maiores aventuras do conhecimento humano nas últimas décadas com as grandes aventuras propriamente ditas, aquelas que pareciam monopólio da turma dos esportes radicais.

Em outras palavras, as de Sérgio Abranches, que aliás é o verdadeiro autor dos parágrafos acima, extraídos do livro ¿Copenhague, antes e depois¿, ¿a ciência do clima é também uma espetacular aventura humana¿. Como é o caso do paleoclimatologista Lonnie Thompson, cuja pesquisa de campo abarca, nada mais, nada menos, que a prospecção do gelo milenar nos glaciares mais altos da Terra.

Thompson encontrou nos Andes as pistas de desordens climáticas que engoliram civilizações muito antes que o primeiro europeu moderno pusesse os pés no continente americano. Assim como desencavou na cordilheira Qilian Shan, entre o Tibete e a Mongólia, a evidência de que vivemos hoje na época mais calorenta dos últimos 40 mil anos.

A mudança climática, nesses termos, pode ser tudo, menos chata. Nesta reportagem de 321 páginas sobre a conferência de Copenhague, Abranches conseguiu fazer o que nem todo repórter tem fôlego ou tempo para sequer tentar. Vasculhou dezenas de livros e calhamaços acadêmicos em abominável PDF, para armar as peças básicas desse quebra-cabeça essencial do século XXI em capítulos que se pode ler na cama ou no aperto de uma poltrona de avião, enquanto lá fora as turbinas vão enchendo a atmosfera terrestre de mais uma boa dose de CO2.

Sim, ele cobriu de oito da manhã às dez da noite a conferência do ano passado. Alugou para isso um quarto-e-sala numa Copenhague fria e superlotada. Encarou, de ponta a ponta, aquele fiasco político que, a seu ver, tornou irreversível a marcha forçada para um acordo internacional que adapte a economia mundial ao planeta ¿ em vez de insistir em fazer o contrário.

Com sua mulher, que modéstia à parte é a jornalista Miriam Leitão, ele compôs sem dúvida o maior time de repórteres que o Brasil já mandou em qualquer tempo a um foro de meio ambiente. O dia-a-dia de Copenhague está todo lá, assim como seus bastidores. Mas o melhor do livro de Sergio Abranches é condensar num texto rápido tudo sobre esse tal do aquecimento global que provavelmente você teria medo de perguntar a um jornalista e, mais ainda, a um cientista político.

MARCOS SÁ CORRÊA é jornalista.