Título: Desvalorização do dólar é como jogo em que um rouba o monte do outro
Autor: Novo, Aguinaldo
Fonte: O Globo, 03/10/2010, Economia, p. 50

Ex-diretor do BC acha que só reforma fiscal pode conter apreciação do real

ENTREVISTA Ilan Goldfajn

Para o economista-chefe do Itaú Unibanco, Ilan Goldfajn, a forte valorização do real pode esmorecer a curto prazo. Ele aposta em uma intervenção mais forte do Banco Central (BC) nos próximos dias para segurar o dólar ¿ que na sexta-feira foi a R$ 1,681. Mas ressalta que o governo só ¿compra tempo¿ se usar medidas como aumento do IOF para o capital estrangeiro. Uma solução definitiva depende de uma reforma fiscal, que abra caminho para o corte de juros. Goldfajn, ex-diretor de Política Econômica do BC, considera ainda pouco provável um acordo na reunião do G-20, mês que vem, sobre uma saída para o desequilíbrio cambial no mundo. ¿Hoje, cada país intervém para depreciar sua moeda. É como naquele jogo em que um rouba o monte do outro¿, disse ele ao GLOBO.

SÃO PAULO

O GLOBO: Por que o dólar parece derreter no Brasil? ILAN GOLDFAJN: Existe uma combinação de fatores. Uma parte da explicação vem dos atrativos apresentados hoje pelo Brasil, que tem taxas positivas de crescimento enquanto a maioria das economias desenvolvidas está em desaceleração. Os investidores chegam com mais dólares para disputar novas emissões (de ações) ou arbitrar com os juros (ganhar com a diferença entre a taxa interna e a média internacional). O segundo fator é que o dólar está perdendo valor não só no Brasil, mas em todo o mundo. É um fenômeno mundial.

E por que o dólar está caindo? Por causa da percepção de que a economia americana ainda está muito enfraquecida e que o governo deve adotar uma política expansionista, o que em tese significa a manutenção dos juros nos Estados Unidos num patamar muito baixo.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse na semana passada que esse fenômeno tem gerado uma ¿guerra cambial¿ entre os países. O senhor concorda com ele? GOLDFAJN: De fato, existe um desequilíbrio no câmbio. É perfeitamente possível imaginar uma redução global e simultânea das taxas de juros. Isso não vale para o câmbio. Os países passaram a intervir no câmbio para depreciar sua moeda. Num momento de crescimento global muito fraco, é uma forma de o país exportar mais e, exportando mais, tirar sua economia da recessão. Vem o Japão e entra no mercado (numa operação em setembro, depois de seis anos sem intervenções), a China resiste a apreciar (sua moeda), enquanto os EUA deixam o dólar depreciar.

Mas não dá para todos fazerem isso ao mesmo tempo.

É como naquele jogo em que um rouba o monte do outro.

Estamos nesse mundo.

E como o ministro Mantega pode lidar com um problema que é global? GOLDFAJN: A solução mais correta e permanente passa por uma reforma fiscal, que permitiria a redução dos juros e levaria a uma pressão menor no câmbio. A curto prazo, acredito que, talvez a partir da próxima semana, quando passar esse período mais conturbado do processo eleitoral e os efeitos de algumas emissões recentes (como a capitalização da Petrobras), o Banco Central deva atuar de forma mais forte no mercado. Com isso, acho que o câmbio (real) deixará de se apreciar e tem chances de recuar um pouquinho.

Mas o senhor condiciona a adoção dessas medidas de curto prazo ao fim do processo eleitoral no país? GOLDFAJN: Não condiciono a nada. Só estou dizendo que, por algum motivo, o governo preferiu aguardar a questão das eleições neste primeiro momento

Se houver segundo turno para presidente, o governo deve esperar, de novo, pelo resultado final? GOLDFAJN: Não dá para passar o bastão antes do tempo. A equipe que está aí tem de tomar as decisões. Tenho impressão de que, dada a pressão sobre o câmbio, deve haver uma ação mais rápida. O que gostaria é que fossem anunciadas medidas de ajuste fiscal, que aliviassem a pressão sobre os juros e o câmbio. A política (adotada até agora) tem seguido na direção contrária, com um perfil muito expansionista. Há indicações (dos atuais candidatos a presidente) de que gostariam de mudar isso.

O senhor concorda com medidas como o aumento do IOF para o capital estrangeiro ou o uso do Fundo Soberano para segurar as cotações do dólar? GOLDFAJN: O governo está estudando várias medidas prudenciais, como a questão do IOF ou de intervenção no mercado de derivativos. Essas medidas sempre geram algum tipo de distorção no mercado, mas com elas o governo pode comprar algum tempo (até uma solução definitiva), suficiente para puxar um pouco para cima (o dólar) ou não deixar apreciar mais (o real).

Mas ele compra meses, não anos. Nesse sentido, se medidas de fundamento não forem aplicadas, como a reforma fiscal, não vai adiantar só fazer intervenção pontual. Não vai funcionar.

Marcada para novembro na Coreia do Sul, a nova reunião do G-20 (que reúne as principais economias) pretende discutir uma saída coordenada para a disputa cambial a que o ministro da Fazenda se referiu. O senhor acredita em um acordo? GOLDFAJN: Acho que não.

Não existe consenso entre os membros do G-20. Vão concordar com o quê?

Como o senhor disse, os países estão ¿roubando o montinho¿ um do outro...

ILAN GOLDFAJN: Exatamente.

O que eles (o G-20) podem acertar é um acordo para evitar grandes manipulações no câmbio ou a adoção de medidas protecionistas, essa conversa de boas intenções. Quando o mundo está crescendo, é fácil; quando isso não acontece, não dá para todo mundo apreciar (sua moeda) ao mesmo tempo.

Qual é o piso para o câmbio no Brasil? GOLDFAJN: O BC não tem um piso para o câmbio. É um preço que flutua. Mas acho que um valor entre R$ 1,75 e R$ 1,85 seria uma cotação de equilíbrio. Permitiria ao país crescer a um ritmo de 4,5% ou 5% ao ano, com um déficit em conta corrente não superior a 4,5% do PIB.