Título: Quem pode ser candidato?
Autor: Moraes, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 07/07/2009, Política, p. 7

A nova lei eleitoral corrige injustiças ou abre brechas para distorções? Texto deve ser votado hoje, na Câmara

O trecho da reforma eleitoral que permite a candidatura de políticos com problemas nas prestações de contas tem dividido especialistas. Os defensores afirmam que ele pode evitar injustiças. Quem é contra argumenta que a mudança incentiva doações a suspeitos de desvio de verbas públicas. O ponto da discórdia é o artigo 3º do projeto de lei que deve ser votado hoje na Câmara dos Deputados. O texto altera dois itens da Lei nº 9.504, de 1997, conhecida como Lei das Eleições.

No primeiro, estabelece que, para receber a certidão de quitação eleitoral, o político deve apresentar a prestação de contas da campanha ¿ sem exigir, no entanto, que ela tenha sido aprovada. A lei que está em vigor não é clara quanto ao assunto. A proposta de alteração vem justamente no momento em que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) caminha para mudar a jurisprudência e cobrar a aprovação das contas como requisito para conceder a quitação, sem a qual não seria possível participar das eleições seguintes.

A segunda mudança autoriza o político a formalizar o registro da candidatura mesmo após o prazo estipulado pelo tribunal eleitoral, caso consiga liminar. A medida pode beneficiar quem ocupou cargos na administração pública e enfrenta processo em tribunais de contas. Hoje, a Justiça só libera a candidatura se o político não tiver pendências ou conseguir liminar antes do fim do prazo de registro.

O presidente da Associação Brasileira dos Magistrados, Procuradores e Promotores Eleitorais, Marlon Jacinto Reis, afirma que as modificações são um retrocesso nas regras eleitorais do país. ¿Nós teremos a porta aberta principalmente para quem desviou recursos na Saúde, na Educação, para quem fez caixa dois em campanha¿, avalia.

O deputado Flávio Dino (PCdoB-MA), autor do projeto, discorda. Diz que a ideia é evitar que o político seja impedido de disputar as eleições injustamente. ¿A justiça demora para julgar as contas e provavelmente muitos não conseguiriam se candidatar¿, afirma. Ele diz que quem fizer caixa dois não vai ficar impune porque a Lei das Eleições não permite diplomação de quem receber doações ilegalmente. ¿Não é uma mudança para gerar imoralidade. É uma cláusula de proteção pela lentidão da Justiça¿, defende.

José Eduardo Alckmin, ex-ministro do TSE, vai na mesma linha. Sustenta que a lei em vigor pode prejudicar candidatos que aguardam decisões judiciais. ¿Se o sujeito teve as contas rejeitadas e depois vem uma anulação respeitando o devido processo legal, a Justiça Eleitoral não vai tomar conhecimento só porque passou o prazo?¿, argumenta.

O presidente da Comissão de Combate à Corrupção Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Amauri Serralvo, defende que a legislação eleitoral adote um tom de cautela. ¿Em concursos públicos, tenho que provar idoneidade antes do prazo. Para ser candidato não preciso?¿, questiona.

CARA A CARA Nova lei eleitoral Edilson Rodrigues/CB/D.A Press - 13/9/05

José Eduardo Alckmin, ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral

Às vezes a rejeição de contas não revela nada de grave. Então, dentro desse quadro, para evitar injustiças, talvez seja melhor dizer que a falta de prestação é o caso mais grave. Até porque se tiver havido abuso, isso implicará inelegibilidade por três anos. No outro caso, a forma como está hoje leva a injustiças extremas. O político pode estar com as contas de administrador público rejeitadas e em seguida vem uma medida suspendendo aquela rejeição. A Justiça Eleitoral não vai tomar conhecimento só porque veio depois? Acho que estamos tendo a mentalidade errada, no sentido de que quanto mais atrapalhar a vida do político, melhor, quando acho que deve ser o oposto. Quem vai dizer se serve ou não é o grande juiz, o povo.

Zuleika de Souza/CB/D.A Press - 25/2/08

Marlon Jacinto Reis, juiz eleitoral e presidente da Abramppe

Com essa lei, vamos liberar as campanhas para todos os que praticarem o que quer que seja com as contas. Como explicar que alguém que teve as contas rejeitadas estará em dia com a Justiça Eleitoral? É o que vai acontecer se ele receber a quitação eleitoral apenas apresentando as contas, sem a aprovação. E o outro caso beneficia em cheio as pessoas que tiverem contas questionadas pelos órgãos de tomada de contas. O projeto está fazendo com que não tenha nenhum efeito a rejeição das contas. Teremos aberto as portas principalmente para quem desvia recursos da Saúde, da Educação, faz caixa dois. Essa lei beneficia diretamente esses políticos, que serão autorizados a estar entre os concorrentes nas eleições.

Silêncio sobre rivais

A reforma eleitoral inclui ainda uma ¿blindagem¿ que pode ser útil para quem fez menos do que prometeu no último mandato ou falou mais do que devia. O novo texto proíbe o uso de ¿imagem ou voz¿ de adversários na propaganda de candidatos ou partidos ¿ restrição que, na opinião do ex-ministro do TSE Walter Costa Porto, pode comprometer a escolha do eleitor.

¿O aspecto desastroso é que o eleitor deixa de ter acesso a informações importantes sobre o candidato¿, afirma. Ele cita como exemplo a frase da ex-ministra do Turismo Marta Suplicy, no auge da crise aérea. ¿A oposição não vai poder usar o "relaxa e goza" na campanha? Pode ser que até eleve o nível do debate, mas é uma blindagem¿, avalia. (DM)