Título: A maratonista aperta o passo no final da corrida eleitoral
Autor: Alencastro, Catarina
Fonte: O Globo, 03/10/2010, O País, p. 28

Depois de se lançar como candidata das propostas, Marina Silva torna-se mais agressiva contra os adversários

BRASÍLIA

Depois de passar a campanha inteira se declarando como a candidata das propostas, em contraponto ao embate diário entre seus dois principais adversários, Marina Silva, do PV, adotou uma postura mais competitiva na semana que antecedeu as eleições. A mudança ficou clara nos dois últimos debates na TV.

Em tom mais bélico do que o tradicionalmente usado, Marina, que defende a realização de um plebiscito para que a população decida sobre a legalização do aborto, acusou Dilma de, por conveniência eleitoral, mudar de posição sobre o assunto.

¿ Eu não faço discurso de conveniência.

Não acho que em temas como esse, deva se fazer um discurso uma hora de uma forma, e outra hora, de outra, só para agradar o eleitor ¿ atacou a candidata, em um corpo a corpona Central do Brasil.

Marina também criticou Dilma sobre as denúncias de tráfico de influência na Casa Civil, que levaram à queda da ex-ministra Erenice Guerra, que substituiu a candidata petista. O coordenador de campanha da candidata do PV, João Paulo Capobianco, diz que não houve propósito eleitoral. Calculada ou não, a ofensiva coincidiu com a subida dela nas pesquisas.

¿ Na questão do vazamento (de dados fiscais de pessoas ligadas ao PSDB), a Marina fez uma análise crítica ¿ justifica.

Confiante de ter conseguido quebrar o que chama de plebiscito entre José Serra, do PSDB, e Dilma, ela aposta na percepção dos eleitores de que a eleição só deve ser decidida em 31 de outubro.

¿ É justo que a gente tenha um segundo turno. Estou encerrando esse desafio como quem quer encerrar a primeira etapa. Estarei até o último momento soprando esta onda verde, para que ela seja ainda maior ¿ diz.

O marido da candidata, Fábio Vaz, faz troça do fato de muitos terem duvidado da capacidade de Marina de levar adiante a missão de encarar uma disputa presidencial sem grandes apoios políticos ou estrutura partidária. Principalmente em se tratando de alguém que não esbanja saúde: a senadora coleciona há anos várias malárias, hepatites e até a leishmaniose, doença que exige tratamento longo.

¿ Brinco com ela que Deus fez isso (as doenças) para colocála no devido lugar. Se não fosse isso, ela ia ultrapassar todos os limites ¿ conta.

Ele classifica a mulher como uma corredora de maratona, em contraposição aos atletas de explosão, que dão tudo em 50 ou 100 metros, e está encerrada a competição. Secretário de governo do Acre, Fábio afirma que, se a mulher chegar ao Palácio do Planalto, se muda para Brasília e sua função será ¿criar um ambiente confortável¿ para a mulher se aconchegar, depois de passar o dia decidindo os r umos do país.

Na reta final da campanha, Marina contou com o apoio extra da família. A mais velha dos quatro filhos da presidenciável, Shalom, acompanhou todos os passos da mãe.

Ela fez fotos e pequenos vídeos para um arquivo pessoal de campanha.

Cumpridora rigorosa de uma agenda lotada de compromissos, Marina ficou mais cansada na última semana do que em toda a disputa. Quem conta é o pai, seu Pedro Augusto, que acompanha a rotina da filha falando com ela sempre que pode ao telefone, quase que diariamente: ¿ Estou achando que ela está baqueada devido ao trabalho nos últimos dias. Mas ela está dando conta. Ela só interrompe quando gripa, porque ela é o mesmo que índio para gripar.

Marina também se preocupou mais com o visual. Há pelo menos um mês é acompanhada por um maquiador, que cuida inclusive do coque, uma marca de sua estampa. Optou, na maioria das vezes, por roupas brancas e, vez por outra, acompanhada de um xale muito colorido.

Quando saiu do seringal Bagaço com uma muda de roupa e alguns trocados no bolso para tratar de sua saúde, nos anos 1970, Marina deixou para trás o pai, as seis irmãs e um irmão. Mais de 40 anos depois, ela volta hoje a Rio Branco para votar como uma das grandes forças políticas do país.

O pai mora numa pequena casa de madeira numa rua sem asfalto na capital acreana.

Entre as irmãs, quem mora em Rio Branco cuida de casa. As duas que ficaram no seringal viraram produtoras de pimenta de cheiro, abóbora, maxixe e melancia, vendidos na feira da capital. O irmão é instrutor de autoescola, e às vezes, faz bico como caminhoneiro.

Desde que Marina entrou na campanha, a família deixou todo o restante de lado para se dedicar inteiramente à busca de votos para a filha ilustre. O pai, Pedro Augusto, conta que Maria Aurilene, uma de suas filhas, se opôs quando Marina reuniu todos, inclusive os mais de 30 sobrinhos e agregados, para contar que se lançaria ao maior desafio de sua carreira. Evangélica fervorosa, a irmã achava que Marina deveria largar a política e se dedicar mais à Assembleia de Deus, igreja que conta com a devoção da maioria da família.

¿ Ela disse que não tinha jeito, parecia que era Deus que estava falando para ela (ser candidata) ¿ relembra seu Pedro

Comitê em Rio Branco fica em imóvel emprestado Vencida a minoritária oposição familiar, Aurilene se tornou uma das centenas de cabos eleitorais de Marina no estado. O marido de Marina também passou a deixar sua função no governo do Acre, pelo menos em um dia da semana, para acompanhar Marina mais de perto.

Em Rio Branco, o comitê de campanha de Marina ¿ localizado no centro da capital ¿ é um retrato fiel da falta de estrutura do PV em todo o Brasil.

Funcionando em uma casa emprestada por um amigo, tudo no local é doado: do ar-condicionado aos quadros pendurados na parede. Dos oito funcionários, todos ¿ com a exceção da secretária e do profissional de vídeo ¿ são voluntários. E até as refeições são elaboradas a partir de alimentos que cada um leva todos os dias.

Segundo cálculos do comitê, há 500 Casas de Marina funcionando em Rio Branco, e mais de mil no estado. Umas delas fica em Xapuri, e a neta de Chico Mendes, Maria Luiza, às vezes passa por lá.

¿ A campanha é muito fácil de fazer. Além de todos nós aqui, tem centenas de pessoas que passam na porta todos os dias querendo ajudar, se colocando à disposição do jeito que dá ¿ diz Eudes da Silva, um dos sobrinhos da candidata.

¿ Na campanha de Marina as pessoas têm um sorriso, estão ali com uma alegria danada ¿ afirma outro sobrinho, Thiago da Silva, responsável por dirigir pela cidade o Marinamóvel: um Celta coberto de adesivos que carrega uma caixa de som que toca o tempo todo o jingle dos ¿marineiros¿.

Uma representante do eleitorado jovem de Marina, Ketllen Regina, estudante de 16 anos de Rio Branco, conta porque foi até o comitê pegar santinhos da candidata: ¿ A gente tem que olhar para a floresta. O que será do Brasil sem preservação? Além do mais, ela é do Acre. Os outros candidatos não querem saber do Norte.

¿Ela já é uma vitoriosa¿, diz coordenador da campanha Para o coordenador da campanha de Marina, João Paulo Capobianco, Marina se firmou como a candidata da terceira via.

¿ A Marina não procurou nenhum atalho, não fez coligações que poderiam lhe render mais tempo, não mudou sua postura ao longo da campanha, mantendo-se fiel às suas propostas. Ela já é uma vitoriosa ¿ afirma Capobianco.

¿ As pesquisas não conseguem captar tudo o que acontece nas ruas. Isso será revelado no final do dia 3 de outubro.

Aí é o eleitor, sua consciência e a urna indevassável. No segundo turno, eu estarei lá ¿ disse Marina sexta-feira, com a voz rouca de tanto penar no arcondicionado do avião que acabara de deixá-la em São Paulo para mais uma atividade de campanha.

O movimento classificado pela própria candidata como ¿pororoca verde¿ contagiou as pequenas centrais montadas para levantar votos para a campanha da ex-seringueira em seu estado natal.

No antigo seringal Bagaço, localizado a 68 km de Rio Branco, já não existe mais a paisagem que Marina conheceu quando nasceu. Lá, Maria Deusimar, conta que não espera grandes mudanças em sua vida, caso a irmã vire presidente: ¿ Vou continuar sendo pimenteira.

Vou ficar mais conhecida, mas vou continuar vendendo essas pimentas que você tá vendo (aponta mostrando a plantação).

Evangélica há mais de trinta anos, perguntada sobre quais as chances que Marina tem de vencer, Deusimar lança mão da religiosidade: ¿ Ela tem chances de verdade de ganhar. Com Deus é assim: os últimos viram os primeiros; o fraco fica forte, e o forte fica fraco. Quando Ele quer, tudo é possível.

Já seu Pedro, que confessa morrer de orgulho da filha que via deitar no chão de cansaço depois de um dia na lida da seringa, e hoje desponta como uma alternativa viável para a sucessão do presidente Lula, também diz ter fé na vitória.

¿ Não vou mudar de vida.

Vou continuar dormindo na rede do lado de fora ¿ diz em sua casinha simples no bairro de Cidade Nova. ¿ Se ela não ganhar, a escolha é dela, mas acho que ela devia fazer igual o Lula: bola pra frente. Uma hora ela leva.