Título: Do otimismo do começo à espera de uma surpresa
Autor: Scofield Jr.; Gilberto
Fonte: O Globo, 03/10/2010, O País, p. 26

Na última semana antes da votação e com a experiência que tem de altos e baixos eleitorais, o tucano José Serra diz ter se surpreendido com a agressividade de Lula na campanha

SÃO PAULO

Às 20h de sexta-feira, passados cinco meses de campanha, milhares de quilômetros em visitas pelo Brasil, número semelhante de apertos de mãos, abraços e beijos em crianças, dezenas de almoços, botecos e biroscas, além de mais de 500 fotos por dia, o candidato tucano à Presidência, José Serra, era um homem visivelmente cansado. Nada que o impedisse, no entanto, de brincar com os netos Francisco, Gabriela e Antonio na biblioteca de sua casa no Alto de Pinheiros, Zona Oeste de São Paulo.

Ou de fazer um balanço da campanha e se animar com a possibilidade do 2° turno: ¿ Imaginei que o Lula fosse entrar na campanha, mas me surpreenderam a intensidade e a agressividade com que ele o fez.

Não sei explicar, acho que são fatores de natureza psicológica ¿ disse. ¿ As eleições sempre trazem surpresas. Haverá uma margem de surpresa. Vamos ver.

Em sua nona campanha, segunda para presidente, Serra conhece os gráficos eleitorais. Em abril, quando anunciado presidenciável do PSDB, tinha 38% das intenções, segundo o Datafolha.

A principal concorrente, Dilma Rousseff, do PT, 28%. Semana passada, o mesmo instituto mostrava Dilma com 52% dos votos válidos, e Serra, 31%. Por isso ele não arrisca prognósticos, mas confia num segundo round ¿ resultado que, se confirmado, será um desenlace mais do que bom para uma campanha de altos e baixos.

Quando, em abril, Serra apareceu de mãos dadas com o exgovernador de Minas Aécio Neves no lançamento de sua candidatura aos gritos de ¿Olê, olê, olê, olá, Serra, Serra¿, muitos imaginaram que os tucanos abandonariam o choque de personalidades que racha o partido desde a presidência de Fernando Henrique e, unidos, se empenhariam na tarefa de fazer oposição a Dilma, ungida pelo presidente Lula.

A opção pelo marqueteiro

Não foi o que se viu. Pior do que nas disputas presidenciais de 2002 e 2006, a facilidade e a agressividade com que Lula transferiu votos para Dilma aprofundaram o distanciamento dos tucanos nos estados. As exceções foram o candidato a governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que se mostrou um fiel escudeiro (para surpresa de muitos), e o PSDB paulista. Juntese a personalidade centralizadora e controladora de Serra, e o resultado foi uma campanha solitária na maior parte do tempo.

¿ A campanha esteve desde o começo sob o controle exclusivo de Serra e Luiz Gonzalez (marqueteiro da campanha), com exceção talvez de junho, em que ele teve de aceitar um nome do DEM, o do deputado Indio da Costa, para vice-presidente no lugar de seu preferido, o tucano Álvaro Dias ¿ diz um político da cúpula serrista. Não foram poucos os tucanos que, contrariados, afirmaram que a escolha de Indio teria sido feita por sugestão de Gonzalez, o que o marqueteiro e Serra negam.

Ainda que Sérgio Guerra tenha atuado como coordenador da campanha, a postura passiva ou quase ausente de tucanos influentes isolou mais Serra. A situação piorou com o fato de Serra optar por cercar-se de Gonzalez (que já fez quatro campanhas para Serra) e do coordenador de imprensa, Marcio Aith.

Gonzalez e Serra montaram uma estratégia centrada no confronto de experiências e currículos, de modo a anular a tentativa do PT de comparar o governo Lula à era FH. A passagem de Serra pelo Ministério da Saúde e sua boa avaliação entre o eleitorado foram usadas à exaustão.

Mais tarde, a campanha incluiu denúncias de aparelhamento do Estado e escândalos.

¿ Dilma não tem biografia, tem de se apoiar no padrinho.

Serra não tem patrono, tem que mostrar o currículo. Estamos convictos de que a eleição vai para o segundo turno. O presidente jogou-se de cabeça numa aventura eleitoral. A campanha oficial teve muito dinheiro. Se, ainda assim, a eleição for para o segundo turno, é derrota para eles ¿ diz um serrista.

Notívago assumido, Serra mobilizou sua equipe em reuniões que entravam madrugada adentro (e dificilmente começavam antes das 23h). A agenda do dia seguinte era sempre decidida horas antes. Tudo aprovado ou recusado por Serra, dono da última palavra em tudo.

Pessoas de sua confiança o ajudaram a clarear as ideias. Como o deputado tucano Jutahy Magalhães, antigo aliado, ou o candidato a senador Aloysio Nunes Ferreira, seu ex-secretário de governo, que conseguiu a aliança com o PMDB de São Paulo.

Ou ainda o ex-embaixador Rubens Ricupero, consultor informal para assuntos internacionais.

Os economistas Gesner Oliveira e Geraldo Biasoto Júnior, além do ex-deputado federal Márcio Fortes, o assessoraram na área econômica.

Se a campanha de João Santana para Dilma foi cinematográfica, no estilo Brasil grande, Luiz Gonzalez optou pela estética popular, para combater a imagem elitista do PSDB. Muitos apontaram escorregões do marqueteiro, como a associação da imagem de Serra à de Lula. O outro foi o uso de uma favela cenográfica no programa, ou o uso do ¿Zé¿ para aproximar o candidato do eleitor de menor renda

Mais sorrisos do que nunca

Houve frustração na primeira quinzena de setembro, diante da possibilidade de eleição de Dilma no primeiro turno, fenômeno agora incerto. Quando ela passou a perder votos, Serra acelerou sua agenda: ¿ Nesta campanha, minha nona, tive a melhor acolhida entre pessoas desconhecidas e comuns em todo o Brasil. Senti engajamento e esperança ¿ disse.

Os esforços de marketing avançaram sobre a imagem sisuda de Serra, que buscou sorrir como nunca. Mas uma clara impaciência e irritação com perguntas jornalísticas minaram, em parte, esse esforço. Em maio, interrogado pela jornalista Miriam Leitão sobre uma intervenção no Banco Central, afirmou que ela falava bobagem. Em setembro, indagado pela jornalista Márcia Peltier sobre a quebra de sigilo fiscal de sua filha, Verônica, criticou as perguntas e ameaçou deixar o estúdio. Serra alegou mau humor típico dos dias em que precisa acordar cedo.

Agora confiante no segundo turno, Serra diz que não mudará a estratégia. Para ele, os indecisos podem fazer a diferença: ¿ O segundo turno é muito importante, o país vai se politizar mais. É tudo mais direto. Será mais difícil para os candidatos ficarem na sombra. Eles podem explicitar ideias, o segundo turno força uma abertura maior com dez minutos (por programa) e, presumo, novos debates.

¿ Não há grandes estratégias.

Novas mídias são importantes, não decisivas. A internet é também dedicada a destruir reputações porque se aceita qualquer coisa (como verdade). Mas é indiscutível que congrega. Continuarei tweettando ¿ afirmou.

Os que esperam uma ação mais raivosa devem conter suas expectativas.

¿ É comum que parte dos eleitores, no primeiro turno, faça seu voto pela escolha. E no segundo, pela rejeição. Se o seu candidato do coração não está mais no páreo, você vota no menos pior.

É outra eleição ¿ diz um integrante da campanha.

As esperanças de que os desencontros do primeiro turno não existam no segundo foram reveladas por dois importantes nomes do PSDB, que não pouparam críticas à campanha de Serra: ¿ Estamos nos preparando para um segundo turno. É bom, porque mostra a variedade de opções ¿ disse o expresidente Fernando Henrique Cardoso, duro crítico da falta de um programa efetivo de governo, de um candidato que parece focado em propor mudanças pontuais ¿ e populares ¿, como um reajuste de 10% para aposentados, um 13° benefício do Bolsa Família e a aposentadoria integral do funcionalismo público.

¿ Abre-se claramente uma perspectiva de segundo turno.

Seria muito bom que o Brasil pudesse conhecer melhor os candidatos ¿ afirmou Aécio Neves, que defendeu uma campanha mais agressiva.

Seria o momento da anunciada aliança tucana? ¿ Aliança é importante, mas relativa, no segundo turno. O eleitorado vai fazer a cabeça independentemente de alianças.

Quanto mais o tempo passa, mais as pessoas fazem a sua própria cabeça ¿ diz Serra.