Título: A perplexidade da oposição
Autor:
Fonte: O Globo, 03/10/2010, O País, p. 22

Há alguns assuntos marcantes neste processo eleitoral brasileiro, que será também a minha quarta cobertura desse tipo desde que cheguei aqui como correspondente.

Um deles é o grande talento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que conseguiu blindar sua figura contra muitas tentativas de miná-la, e que vai deixar o Planalto com popularidade invejável para quem governou por oito anos. Outro fato produz surpresa: a perplexidade da oposição, que não parece ter-se como alternativa confiável. Se as pesquisas estiverem certas, tudo sugere que no dia 3 de outubro, ou no dia 24, no segundo turno, sairia vitoriosa a candidata governista. No caso, o eleitor terá feito escolha lógica: apostar na continuidade do projeto que lhe garanta mais mobilidade social e dentro do qual ele se sentiu mais seguro.

É neste ponto que os processos políticos na Argentina e no Brasil tendem a se assemelhar. O fato não deveria surpreender, porquanto as similitudes foram uma constante dos últimos 25 anos. Sem projeto diferenciado de desenvolvimento econômico e inclusão social, no meu país as forças opositoras não conseguem abrir espaço tanto no papel de interlocutor quanto no de supervisor das ações do governo. Diante da pobreza de ideias opostas, o cidadão argentino, que por tradição é um lutador, tornou-se cauteloso e olha para o horizonte político das eleições de 2011 com a mesma prudência que revela o eleitor brasileiro. Se não houver alternativas confiáveis, sem dúvidas optará por não inovar.

Os jornalistas costumam comentar ironicamente que ¿o Brasil de ontem é a Argentina de hoje¿ ou que ¿a Argentina de hoje é o Brasil de amanhã¿. São expressões equivalentes. O interessante é o que elas revelam. Sugerem a existência de fortes paralelismos nos processos políticos, sociais e culturais nos dois países. Hoje, sem risco de confronto entre democracias e ditaduras, a parceria entre Brasil e Argentina mostra que foi ela que assegurou no passado, e irá garantir no futuro, a estabilidade institucional da região. Essa é uma das grandes conquistas do convívio no Mercosul. Nossos países puderam construir boas relações apenas quando a Argentina, primeiramente, e o Brasil pouco depois, restauraram a democracia.

A percepção dos argentinos é que esta eleição terá grande importância no futuro da parceria com o Brasil. Talvez isso explique que o público do meu país conheça os nomes dos candidatos: José Serra, Dilma Rousseff e Marina Silva. Sabe-se também das filiações políticas de cada um. No meu país o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é admirado pela sua qualidade política e pela capacidade de negociar assuntos internacionais. Mas ninguém esquece o professor Fernando Henrique Cardoso, cujos livros alimentaram gerações de universitários argentinos.