Título: Em portos e estradas, negócios emperram nas filas do atraso
Autor: Oswald, Vivian
Fonte: O Globo, 03/10/2010, O País, p. 19

Burocracia e falta de investimento atrapalham exportações de produtos brasileiros

BRASÍLIA. Pela segunda vez no mesmo dia, em 7 de agosto passado, as máquinas de uma grande fábrica de CDs na Zona Franca de Manaus pararam de funcionar após novo corte de energia. Nunca se sabe por quanto tempo o equipamento vai ficar fora do ar, ainda mais quando o problema ocorre no terceiro turno da companhia ¿ das 22h às 6h. O operador Joaquim da Silva já conhece os procedimentos e sabe que a retomada da produção pode levar horas, ou dias, se a energia não volta em até dez minutos.

A explicação para o problema corriqueiro numa fábrica da Zona Franca está no fato de Manaus ainda não estar na rede integrada nacional de energia. E os investimentos no sistema, já ultrapassado, não acontecem na velocidade necessária.

A interrupção naquela primeira semana de agosto durou pouco mais de 145 minutos, ou quase três horas. Somente em agosto, cinco perturbações pararam os sistemas por cerca de sete horas. O problema corriqueiro e as consequências dele geram um custo alto para a produção.

Quando as injetoras de plástico param de funcionar, o material resfria e endurece dentro do canhão. Só para reaquecer são duas horas. Deve-se fazer ainda uma espécie de sangria no equipamento para retirar os resíduos.

Muitas vezes, as peças quebram pelo procedimento ou pela interrupção abrupta.

¿ Se tiver de substituir alguma peça, tem que recalibrar o equipamento inteiro. Uma brincadeira dessas deixa uma máquina que produz três mil CDs por hora parada por até 24 horas ¿ conta o técnico

Frete marítimo: custo alto

Para tentar minimizar os prejuízos e garantir os prazos de entrega aos clientes, uma grande empresa do setor de CDs da Zona Franca investiu R$ 5 milhões em um sistema de nobreak.

A manutenção do sistema deve ser feita a cada dois anos e custa R$ 2 milhões.

¿ Com isso, incentivos fiscais para que nos estabeleçamos aqui na Zona Franca praticamente se diluem na falta de infraestrutura.

Sem falar que isso tira a nossa competitividade ¿ disse um executivo do setor.

Uma típica fábrica de componentes eletrônicos pode perder de US$ 7 mil a US$ 15 mil por hora por linha de produção, com as interrupções de energia.

Companhias que produzem equipamentos sofisticados como televisores, equipamentos de som, ou paralamas de motocicletas, que usam injetoras semelhantes, precisam lidar com cortes de energia frequentes.

A escassez de infraestrutura não é um problema exclusivo do estado do Amazonas. Além da falta de estrutura, os portos brasileiros estão submetidos a cerca de 30 órgãos públicos que interferem na atividade. Sem os entraves burocráticos, de acordo com especialistas, o custo do frete marítimo e hidroviário seria reduzido em 40%.

Apesar de mais da metade das estradas brasileiras estarem classificadas como regulares, ruins e péssimas ¿ além do alto custo ¿ produtores de arroz preferem carregar caminhões com sua colheita para mandar ao Ceará, do que fazê-lo com a ajuda de navios. Um caminhão transporta de 25 a 30 toneladas.

Um navio, de 30 a 50 mil.

Os produtores reclamam do custo do frete e do desgaste das estradas, abarrotadas com centenas de caminhões, os acidentes de trânsito (motoristas fazendo longos percursos perigosos em estradas nem sempre de boa qualidade), além dos gastos com combustível, pneu e motor dos veículos. Mas os portos brasileiros não estão dão conta da demanda, seja por falta de estrutura ou excesso de burocracia.

BR-101 virou pesadelo ?¿ Exportadores já temem que o Porto de Paranaguá, no Paraná, não tenha como escoar a grande safra de soja que se anuncia para este ano. Em Santos, há uma fila de 100 navios tentando atracar para embarcar o açúcar que será enviado para o exterior.

O Espírito Santo não consegue exportar a produção de mamão papaia diretamente a partir do estado. Não há aeroporto de cargas internacional e a mercadoria capixaba tem que ir de caminhão para o Rio, de onde sai do Galeão. O estado também já não dá conta do transporte de contêineres pelo Porto de Vitória (o calado é pequeno) nem dos navios de turistas.

Na maioria de seus trechos que corta o país de Norte a Sul pelo costa, a BR-101 é outro pesadelo por causa do movimento intenso dos caminhões, o que provoca acidentes e demoras no transporte de mercadorias.

Mapeamento da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (ABDIB) mostra que o Brasil precisa de investimentos públicos e privados em infraestrutura de R$ 168 bilhões anualmente por pelo menos cinco anos para desfazer os nós da economia. Deste total, R$ 29,5 bilhões teriam que ser investidos em energia (geração, transmissão e distribuição), R$ 78,6 bilhões em petróleo e gás natural, R$ 14,1 bilhões em saneamento, R$ 25,2 bilhões em transportes e logística e R$ 20,6 bilhões em telecomunicações.