Título: A água está barrenta.Serve só para louça
Autor: Duarte, Alessandra
Fonte: O Globo, 03/10/2010, O País, p. 18

No Maranhão, apenas 33% da população contam com água encanada

JUSTINO RODRIGUES e o balde em que tira água do açude

MATÕES DO NORTE (MA). Num estado com os piores indicadores sociais do país, a população que mora no interior do Maranhão e na periferia de São Luís parece viver em outra época. São comuns valas de esgoto, não há água encanada, os banheiros são improvisados no quintal e os vasos sanitários são buracos na terra. Inexiste o básico. Nem tão longe da capital, moradores da zona rural dividem água barrenta de açudes com animais. Nesta época de campanha eleitoral, as mazelas do Maranhão aparecem junto com as promessas.

No estado, 49% da população não têm saneamento e só 33% contam com água encanada, segundo o ¿Mapa da exclusão social no Brasil ¿ Radiografia de um país assimetricamente pobre¿, do economista José de Jesus Souza Lemos, da Universidade Federal do Ceará.

Assentados da reforma agrária, Anselmo Neves e José Ribamar Castro vivem no assentamento Cigana, área rural de Matões do Norte. Eles percorrem cinco quilômetros de bicicleta até o açude mais próximo, onde buscam a água para lavar louça, mãos e rosto. Em volta do açude, bois e cavalos pastam e bebem dessa água.

¿ Não tem como fugir. O que a gente faz é ficar do outro lado de onde estão os bichos, para não pegar água contaminada. Até hoje não deu problema. Devem estar olhando pela gente lá em cima ¿ diz Neves, com 39 anos e quatro filhos.

A poucos quilômetros dali, no povoado de Samangula, um pequeno açude era a imagem de um triste cenário. Bem mais raso e bem mais barrento. Ainda assim, com água colhida pelos moradores da região. É a única opção. O lavrador Justino Oliveira Rodrigues, de 55 anos, abastece ali sua casa. O galão é improvisado com um balde, levado na cabeça no trecho de dois quilômetros que separam o açude de sua casa.

¿ A água aqui está muito grossa, barrenta demais. Serve só para lavar louça ¿ diz Justino, que tem uma pequena ¿rocinha de pé de toco¿, onde planta arroz para sua subsistência.

O caminhão-pipa da prefeitura, que abastece caixas d¿água e deveria passar, no máximo, toda semana, fica 15 dias sem aparecer.

¿ Aí não tem jeito ¿ lamenta-se Justino.

Em Bacabeira, uma das tantas cidades do Maranhão à beira de uma rodovia, Francinete de Jesus Soares, de 55 anos, improvisa. Ela transformou um pneu de caminhão em reservatório:

¿ Cabe bastante água aí. A gente tem que deixar a torneira aberta, porque não sabe a que horas vai ter água. Já aconteceu de a água chegar de madrugada. Às 2h, corro para lavar roupa. Tem que aproveitar.