Título: Prazo de validade
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Fonte: O Globo, 04/10/2010, Opinião, p. 6

Não se tem notícia, na história recente, de um julgamento tão intrincado e importante para a vida política quanto o do recurso impetrado junto ao Supremo Tribunal Federal pelo então candidato ao governo de Brasília Joaquim Roriz contra a rejeição ao seu pedido de registro à Justiça eleitoral, com base na Lei da Ficha Limpa. Nem de um resultado tão frustrante, pois, com um pouco visto empate em cinco votos, os ministros não conseguiram definir um ponto capital: se a lei deve produzir efeitos nas eleições deste ano.

A frustração fica por conta de que um movimento inédito de mobilização popular, com tão bons resultados em prazo curto ¿ cerca de um ano entre a formulação do projeto, captação de mais de um milhão de assinaturas e aprovação pelo Congresso ¿, poderia ter sido concluído de forma espetacular na semana retrasada. Tanto há razões para fundamentar juridicamente a tese de que a Ficha Limpa pode ser aplicada no pleito de 2010 que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aceitou o enquadramento de políticos nos critérios da lei, feito por tribunais regionais. E por isso recursos foram e são encaminhados ao STF. O primeiro a chegar veio de Joaquim Roriz.

Não é também por acaso que, dos dez ministros em atuação no momento na mais alta Corte do país, a metade concorda que a Ficha Limpa, por não alterar a legislação eleitoral, escapa à exigência do prazo mínimo de um ano para alterações nas regras dos pleitos. Ela apenas estabelece novos critérios para a aplicação de uma legislação mantida intocada nos últimos doze meses.

Não há, portanto, tratamento desigual a candidatos ¿ princípio em defesa do qual existe a regra da anualidade. E como bem defendeu o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, como probidade do homem público é uma exigência constitucional, qualquer norma que a reafirme entra em vigor na data da sua publicação. Metade dos magistrados do Supremo, porém, entende o contrário. Como o presidente da Corte, Cezar Peluso, decidiu, acertadamente, não usar sua prerrogativa de dar o voto de Minerva, o julgamento ficou suspenso no ar.

(Peluso agiu bem porque, se dobrasse o voto contra a entrada imediata da lei em vigor, livraria não apenas Roriz, mas dezenas de acusados de ser ¿fichas sujas¿, e sem qualquer discussão). A malandra renúncia de Roriz, horas após encerrada a sessão do STF, criou mais uma controvérsia.

A melhor alternativa seria manter o julgamento, para não haver incertezas sobre as eleições, mas a decisão foi outra.

Roriz nomeou a mulher, Weslian, candidata-laranja, e o assunto voltará a ser discutido com a chegada ao Supremo do próximo recurso, talvez do paraense Jader Barbalho.

A frustração, no entanto, não ofusca aspectos positivos. Um deles, que o STF carimbou a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa. Não há como ela não entrar em vigor, restando a discussão sobre se será agora ou na próxima eleição, em 2012, municipal. Haverá uma situação curiosa: quem foi dado como ficha-suja pelo TSE, e se livrar agora da aplicação da lei, pode considerar que será apanhado daqui a dois ou quatro anos. Serão políticos com prazo de validade. Outro aspecto positivo é que a mobilização em torno da lei sedimentou uma atenção maior com a ética na política.

Mas essa faxina poderá começar imediatamente, a depender da Corte. E quanto antes, melhor.