Título: Cerco a capital estrangeiro
Autor: Beck, Martha; Duarte, Patrícia
Fonte: O Globo, 05/10/2010, Economia, p. 33

Para segurar dólar, governo dobra imposto sobre investimentos externos em renda fixa

Martha Beck, Patrícia Duarte, Vivian Oswald e Fernanda Godoy

A forte valorização do real nas últimas semanas levou o governo a aumentar de 2% para 4% o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para as aplicações de investidores estrangeiros em renda fixa, como os títulos públicos. Para as operações em renda variável (como a Bolsa de Valores), a alíquota permaneceu em 2%. O objetivo é diminuir a entrada de capital especulativo no país.

O apetite dos aplicadores pelo mercado brasileiro, reforçado pela megacapitalização da Petrobras, tem provocado uma enxurrada de dólares no país. Ontem, a moeda americana fechou o dia em R$ 1,692 cerca de 10% abaixo da cotação mais alta do ano, atingida em 25 de maio: R$ 1,88.

Achamos que há um interesse crescente do investidor estrangeiro nesta modalidade (renda fixa). E, se houver uma entrada de capital muito grande, nós acabamos valorizando o real, e isso prejudica as exportações brasileiras disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega.

A medida que entra em vigor após publicação no Diário Oficial, o que deve acontecer hoje já estava em estudo há seis meses, mas não havia consenso sobre sua eficácia. A decisão acabou sendo poupar as aplicações em ações, que financiam o setor produtivo no país com custo baixo.

Temos juros elevados, de 10,75% ao ano, enquanto o resto do mundo trabalha com taxas mais baixas. No Japão, por exemplo, ela varia entre 0,5% e 1% ao ano. Por isso, o investidor toma recursos lá e aplica aqui a 10,75%, ganhando a diferença. É por isso que estamos agindo: para reduzir o diferencial de juros disse Mantega.

No Banco Central (BC), a avaliação é que a medida terá efeito importante.

Com os juros a 10,75% e a nova alíquota de 4%, a rentabilidade do investidor passa a ser de 6,75%. Considerando que a inflação no país é de cerca de 5% ao ano, o ganho líquido real do estrangeiro cai para 1,75% ao ano. Mesmo assim, a instituição continuará atuando no mercado de câmbio, por meio de compras, para evitar volatilidade.

Para analistas, taxação é insuficiente

Um técnico do BC não descarta que o novo IOF provoque até mesmo uma saída de dólares do Brasil das aplicações em renda fixa de curto prazo.

Seria o caso dos investidores cujas aplicações podem estar vencendo agora e, assim, poderiam decidir-se por levar seus recursos para outros países que garantam retorno semelhante.

Entretanto, para Francisco Carvalho, gerente de câmbio da BGC Liquidez, a medida não vai mudar a tendência do dólar. Para ele, a moeda tende a ficar em R$ 1,70 nas próximas semanas.

Luciano Rostagno, estrategista-chefe da CM Capital Market, também acredita que o imposto não reduzirá a atratividade dos juros brasileiros.

Para Paulo Vieira da Cunha, exdiretor do BC e atual diretor da Tandem Global Partners, o mercado já esperava a medida: Esse é um imposto perigoso.

Outros países, como Colômbia e Chile, já tentaram essa medida sem bons resultados. É uma tentativa de defender a moeda, mas é pouca coisa.

O analista do Merrill Lynch Julio Lage concorda que o aumento do IOF não resolverá o problema da sobrevalorização do real.

Isso não terá muito efeito se não for acompanhado por medidas de outros países disse.

Mantega disse que tratará do tema cambial esta semana na reunião do FMI e no encontro do G-20, em novembro.

Ele voltou a dizer que existe uma guerra cambial na qual os países desenvolvidos tomam medidas para desvalorizar suas moedas e ganhar competitividade nas exportações. Por isso, afirma, é preciso uma ação coordenada contra uma batalha comercial.