Título: O voto católico
Autor:
Fonte: O Globo, 02/10/2010, Opinião, p. 7

As eleições deste domingo e sua importância vão além do exercício de um dever cívico. Além da escolha do chefe do Executivo, faremos chegar ao Senado, à Câmara, ao governo dos estados e às Assembleias Legislativas os que irão elaborar as leis. Esse pleito deve ser avaliado segundo os critérios do Evangelho.

O voto consciente é um dever. No momento histórico que vivemos em nossa pátria não podemos nos omitir. O primeiro passo é examinar os programas dos candidatos, compará-los com os ensinamentos da Igreja, discernir a capacidade efetiva de cada um na concretização daqueles planos de desenvolvimento integral, no respeito pela Verdade e na Justiça. Não se pode aderir a planos eleitorais de candidatos que firam a dignidade do homem e tampouco aceitar visões e ideologias contrárias ao Evangelho. Postas em prática, levariam à negação das lições do Mestre. Aos direitos dos homens, justos e necessários, acrescentam-se como prioritários os direitos de Deus, que uma nação não pode, impunemente, desconhecer ou, o que seria pior, negar conscientemente.

O verdadeiro compromisso político inclui a preservação da vida, em todas as suas formas e etapas, desde a concepção no seio materno até a proteção e o apoio na velhice: o aborto, por exemplo, deve ser claramente condenado como oposto à Lei divina e à fundamental dignidade da própria criatura racional. Um candidato que se opõe ao Evangelho não merece o voto.

Outro ângulo a ser tomado em consideração é a dignificação da vida pública. Trata-se de algo nobilitante, conforme nos ensina o Concílio: ¿Todos os cidadãos se lembrem, portanto, do direito e simultaneamente do dever que têm de fazer uso do seu voto em vista da promoção do bem comum (¿Gaudium et Spes¿, nº75).¿

Pelas muitas e graves falhas, lançou-se o descrédito sobre os partidos e seus líderes. Jamais devemos culpar uma coletividade pelas faltas de alguns ou muitos de seus componentes. Pelo contrário, cabe exortar os homens de bem a que sirvam à Pátria em um campo difícil e espinhoso. O fato de alguns se locupletarem dos cargos ou buscarem as funções eletivas com objetivos escusos, o que é, infelizmente, uma realidade, não deve impedir que pessoas de bem, por idealismo, optem por esta vocação. E cabe aos cristãos apoiarem os leigos idôneos quando exerçam mandatos, a fim de se sentirem amparados no esforço em prol do bem público. A conotação moral, portanto, na escolha de candidatos dignos merece cuidado porque, à margem da ética, nada se constrói de duradouro.

Não nos esqueçamos que os compromissos decorrentes das urnas continuam até o final dos mandatos e que o resultado delas perdurará por longos anos. Peçamos a Nossa Senhora Aparecida que nos ilumine para que possamos escolher bem nossos governantes.

D. EUGENIO SALES é cardeal-arcebispo emérito da Arquidiocese do Rio.

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