Título: Nem tão transparente assim
Autor: Lima, Daniela
Fonte: Correio Braziliense, 27/06/2009, Política, p. 6

Senado inaugura portal com viés democrático ivulgando estudo entre gastos de órgãos da União. Outras instituições avaliaram os critérios como infelizes

Portal da Transparência foi criado por ordem de Sarney em meio à crise

Submerso em um mar de escândalos, o Senado aproveitou o lançamento de seu Portal da Transparência para divulgar estudo em que são comparados os gastos da Casa com os de outros órgãos da União. No comparativo, o Senado aparece com a menor evolução percentual de gastos com pagamento de pessoal, por exemplo: aumento de 37,5% entre 2004 e 2009. O Judiciário, por sua vez, registra crescimento de 115% no mesmo período, seguido pelo MPU, com 100% (veja quadro). A assessoria da Procuradoria-Geral da República, órgão do MPU, classificou a comparação de ¿infeliz¿.

A estrutura dos órgãos analisados pela Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado difere em tamanho e atribuições. O Judiciário Federal abarca o Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça, cinco tribunais regionais federais, a Justiça Militar, a Justiça do Trabalho, o Tribunal Superior Eleitoral, 27 tribunais regionais eleitorais, além do Tribunal de Justiça do DF e Territórios. Segundo dados oficiais do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de 2004 a 2008, só na Justiça do Trabalho, o número de magistrados subiu de 2.613 para 3.145, e o número de servidores passou de 35.693 para 43.222.

De acordo com os dados divulgados no Portal da Transparência, os gastos do Judiciário saíram de R$ 10,1 bilhões, em 2001, para R$ 30,7 bilhões autorizados para a execução das despesas em 2009. O aumento no efetivo e, consequentemente, dos gastos, é justificado pelo CNJ pela abertura de novas varas federais em capitais e municípios brasileiros.

O crescimento das atribuições também é a justificativa apresentada pelo MPU(1) para a evolução dos gastos. Foram empenhados, em 2001, R$ 934 milhões para pagar as despesas do órgão. Em 2009, o valor autorizado chega a R$ 3,3 bilhões. A assessoria do MPU disse que a comparação entre os gastos feita pelo Senado é infeliz, já que coloca na mesma baia estruturas díspares. O número de servidores do Ministério Público Federal, um dos braços do MPU, mais que dobrou entre 2001 a 2009. Desde 2003, por exemplo, foram criadas 115 procuradorias nos municípios.

O Senado, por sua vez, desde a data de início do levantamento, conta o mesmo número de senadores que tinha em 2001: 81. A Casa teve despesas autorizadas da ordem de R$ 2,7 bilhões para 2009, contra 1,05 bilhão em 2001.

A estrutura, porém, cresceu muito. De 2003 a 2005, época da segunda gestão de José Sarney (PMDB-AP), foram criados boa parte dos 181 cargos com status de diretor. Entre eles, diretorias de check-in, de garagens, e de comunicação por rádio. Após a descoberta, em maio, de que havia mais de dois diretores por senador, alguns cargos foram extintos.

1- ESTRUTURA RAMIFICADA Fazem parte da estrutura do Ministério Público da União o Ministério Público Federal, que abriga a Procuradoria-Geral da República, o Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Militar e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Para cada nova vara federal criada no Brasil, é preciso criar uma procuradoria. Atualmente, há um déficit se comparados o número de varas e o número de procuradorias.

Talvez os títulos estejam mal colocados. Podemos corrigir isso. Sugestões são bem vindas

Orlando Neto, consultor de Orçamento do Senado

E eu com isso?

Desde o início da crise do Senado, a Casa busca maneiras de minimizar o impacto de revelações negativas, ampliando o acesso a informações relativas aos gastos públicos. Hoje, é possível saber quanto cada senador gasta, por exemplo, com a verba indenizatória. E transparência, no fim das contas, significa melhor chance de aplicação correta do dinheiro público

Concurso e criação de ministérios

O levantamento do Portal da Transparência mostra a evolução das despesas do Senado, da Câmara, do Judiciário Federal, do Executivo Federal, do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Ministério Público da União (MPU). Em quadros que abordam diferentes tipos de despesas, além de apresentar um com o valor total dos gastos, um gráfico leva o internauta a uma interpretação óbvia: de que enquanto todos os órgãos estão em curva crescente de gastos, a Casa é a única a contar com curva decrescente.

Segundo Orlando Neto, consultor-geral adjunto de Orçamento do Senado, a intenção do Portal não é promover uma comparação dos gastos entre os órgãos. ¿Os dados já são públicos, estão no Siga Brasil desde 2004. Os quadros ilustram apenas como o orçamento de cada órgão evoluiu¿, justifica. Ele admite, no entanto, que, se a intenção não é levar a uma comparação, o nome do estudo ¿ ¿Evolução dos Gastos do Senado Comparativo com Outros Órgãos¿ ¿ está incorreto. ¿Talvez os títulos estejam mal colocados. Podemos corrigir isso. Sugestões são bem vindas¿, argumentou.

Neto sustenta ainda que o levantamento feito pela Consultoria do Senado é um ¿estudo possível, dentre outras análises que podem ser feitas¿. E que o Portal da Transparência foi elaborado em apenas 30 horas, após determinação do presidente da casa, José Sarney (PMDB-AP), em dia 19 de junho. A assessoria do primeiro secretário da casa, senador Heráclito Fortes (DEM-PI), admitiu que o levantamento foi elaborado no início da crise do Senado, quando denúncias sobre o inchaço da estrutura da Casa surgiram na imprensa.

Os dados que estão no Portal da Transparência são calculados com base no Sistema Integrado de Administração Financeira, que monitora as despesas públicas.

O Correio ouviu também as assessorias de imprensa do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Ministério do Planejamento. O TCU, instituição que assessora o Legislativo federal, argumentou que em 2003, quando a curva de gastos se acentuou, foi ordenada a criação de 600 novos cargos de analista de controle externo ¿em virtude do aumento na necessidade de fiscalização, decorrente, entre outros motivos, do aumento de investimentos do governo¿. Desde então, é realizado um concurso por ano para a contratação de 100 novos servidores efetivos.

Já o Ministério do Planejamento encaminhou para análise da reportagem o Boletim Estatístico de Pessoal, em que a evolução no quadro de servidores do Executivo é detalhada. Dentre outras coisas, cabe destacar a criação, em 2003, de três novos ministérios: o das Cidades, de Desenvolvimento Social e Combate à Fome e o de Turismo.

O número 600 cargos foram criados pelo TCU em 2003. Justificativa é aprimorar fiscalização