Título: Justiça argentina golpeia Cristina
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 06/10/2010, O Mundo, p. 32

Corte Suprema vai contra lei que obriga empresas de TV e rádio a venderem parte de suas concessões

Correspondente BUENOS AIRES

Depois de ter sofrido fortes pressões por parte da Casa Rosada e de seus aliados que semana passada organizaram uma manifestação a favor da plena vigência da Lei de Serviços Audiovisuais a Corte Suprema de Justiça argentina confirmou ontem a suspensão do polêmico artigo 161 da legislação aprovada no ano passado pelo Congresso.

A lei obriga empresas do setor a venderem licenças de rádio e TV num prazo máximo de um ano, caso possuam mais de dez concessões (a lei anterior permitia 22). A decisão da corte representa uma das maiores derrotas do governo Cristina Kirchner em sua disputa com meios de comunicação privados, sobretudo com o Grupo Clarín, que após a votação da lei entrou na Justiça para pedir a anulação do artigo 161, acusado de inconstitucional por seus proprietários.

Os sete membros do máximo tribunal do país votaram de forma unânime pela confirmação de uma medida cautelar adotada pelo juiz federal Edmundo Carbone, a favor do Grupo Clarín. Com esta decisão, o caso voltará a ser julgado pelo mesmo magistrado, que, após realizar todo o processo judicial correspondente, deverá determinar se o artigo questionado pelo grupo é ou não inconstitucional.

Esse procedimento, segundo explicaram analistas locais, poderia demorar entre um e três anos.

O importante da decisão de hoje (ontem) é que esta briga não será resolvida durante a gestão de Cristina Kirchner (que termina em dezembro de 2011) afirmou Adrián Ventura, jornalista do La Nación especializado no assunto.

Presidente ataca corte pelo Twitter

Segundo ele, o recado do tribunal foi claro: a disputa em torno ao artigo 161 será resolvida no próximo governo. Para Ventura, o mais provável é que nos próximos meses o governo inicie uma ofensiva para pressionar o juiz Carbone, na tentativa de antecipar os prazos e conseguir uma resolução favorável deste conflito antes das eleições de outubro do ano que vem.

De qualquer forma, Carbone não é muito influenciável, já que se trata de um juiz aposentado comentou o jornalista argentino.

Nas últimas semanas, Néstor e Cristina Kirchner fizeram duras acusações à Justiça e pressionaram publicamente a Corte Suprema.

A presidente argentina utilizou seu Twitter para comentar as medidas adotadas pelos tribunais locais e reforçar seu ataque aos meios de comunicação e à Justiça.

Já se sabe, a Justiça cautelar não é para todos. É necessário pertencer ao exclusivo Clube Magnetto (em referência a Héctor Magnetto, principal acionista do grupo), ao Grupo Econômico Clarín e Companhia, assegurou Cristina.

A decisão anunciada ontem pela corte representou um enorme alívio para o Grupo Clarín. Segundo estimativas, caso o polêmico artigo entrasse em vigor, o conglomerado seria obrigado a vender às pressas entre 150 e 200 licenças de rádio e TV. O principal temor dos jornalistas que trabalham no grupo era de que as emissoras fossem adquiridas por empresários aliados ao governo.

Ativista pregou tomada de tribunal

Na semana passada, o tribunal foi alvo de uma marcha organizada pela Casa Rosada para exigir o fim da suspensão do artigo 161. Durante o protesto, a presidente das Mães da Praça de Maio, Hebe Bonafini, assegurou que se a corte não autorizar a aplicação da lei, se votar contra o povo, deve ser ocupada e derrubada. As declarações de Bonafini foram repudiadas por importantes dirigentes da oposição.

No entanto, a presidente, que no dia da marcha estava em Nova York, fez questão de respaldar publicamente a atitude da presidente das Mães da Praça de Maio.

Eu já não me zango mais, isso era antes. Para isso temos você, Hebe, que fica zangada como ninguém afirmou Cristina durante um ato na Casa Rosada.