Título: E o dólar cai mais...
Autor: Carneiro, Lucianne; Weber, Demétrio
Fonte: O Globo, 06/10/2010, Economia, p. 25

Taxação de estrangeiro entra em vigor, mas moeda cai 1%, a R$ 1,675. Mantega diz que efeito não é imediato

No primeiro dia de vigência da nova alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para as aplicações de estrangeiros em renda fixa (como títulos públicos), o dólar caiu 1%, a maior desvalorização dos últimos 20 dias, e fechou a R$ 1,675, a menor cotação desde 2 de setembro de 2008. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, minimizou a queda. Segundo ele, a medida é que nem remédio: nem todos têm efeito imediato. A alíquota subiu de 2% para 4%, com o objetivo de desestimular a entrada de investidores externos no país e reduzir a oferta de moeda americana no Brasil.

Há remédios que não fazem efeito no dia seguinte. Por exemplo, você toma antibiótico, tem que tomar, às vezes, uma semana para que tenha efeito disse Mantega, após reunião da coordenação de governo, no Palácio do Planalto.

A cotação do dólar ainda chegou a refletir o aumento da taxação e subir 0,53% logo após a abertura, mas depois mudou sua tendência. O Banco Central (BC) fez dois leilões de dólar no mercado à vista, mas num volume que, segundo estimativas de mercado, teria sido baixo: entre US$ 300 milhões e US$ 600 milhões.

O IOF não teve impacto nem paliativo (no dólar). Chegou a subir um pouco na abertura, mas voltou a cair. O governo está engessado e vai ter de usar um mecanismo mais eficaz para conter o dólar afirmou o gerente da mesa de câmbio da Advanced Corretora de Câmbio, Reginaldo Siaca.

Aumento renderia em 12 meses R$ 1,5 bi

O ministro Mantega, por sua vez, acredita que o impacto aparecerá nos próximos dias: O que se poderia pensar é o seguinte: não fez efeito hoje, poderá fazer amanhã, nos próximos dias. Certamente vai diminuir o fluxo de capital de curto prazo em aplicações financeiras, o que vai nos ajudar a ter uma pressão menor no dólar, baratear o dólar no Brasil (sic). Tenho certeza de que terá efeitos.

Porém, o efeito não se dá necessariamente no dia seguinte.

Para ele, se o governo não tivesse aumentado o IOF, a queda do dólar teria sido ainda maior: Outro raciocínio é que, se não tivesse tomado esta medida, pelo fluxo grande que está ocorrendo, você poderia ter tido uma desvalorização do dólar ou uma valorização do real maior do que de fato ocorreu.

A decisão de elevar o IOF foi costurada com cuidado pela Fazenda.

A equipe econômica sabe que muitas empresas utilizam o capital estrangeiro que entra no país para ações como uma forma de se capitalizar a um custo mais baixo.

É um dilema. Queremos desestimular a entrada de dólares para poupar as exportações. Mas não podemos bater demais no investidor estrangeiro. É ele quem tem financiado as empresas com custos mais baixos por meio da compra de ações e dos IPOs. Isso é um movimento importante. O governo não quer ter de ficar capitalizando o BNDES eternamente para poder ajudar o setor privado afirmou uma fonte da Fazenda.

Além disso, os técnicos sabem que qualquer medida, até mesmo o IOF, não vai resolver o problema do câmbio enquanto o Brasil tiver taxas de juros elevadas e o resto do mundo estiver crescendo pouco.

O aumento do IOF sobre aplicações estrangeiras em renda fixa pode render aos cofres públicos R$ 125 milhões por mês, o que daria cerca de R$ 1,5 bilhão em 12 meses.

Hoje, o recolhimento do tributo, por causa da cobrança de imposto sobre capital externo (rendas fixa e variável) é de R$ 390 milhões. Isso significa que, no limite, a receita total para o governo, já considerando a nova tributação, atingiria R$ 515 milhões por mês.

Indústria aprova, mas quer mais

Os técnicos da Receita Federal destacam, no entanto, que essa será a arrecadação caso seja mantido o atual fluxo de investimentos para o Brasil.

Como o objetivo do governo é justamente desestimular a entrada de dólares, o mais provável é que haja uma queda do fluxo de capitais estrangeiros para o país, com menos arrecadação afirmou um técnico da equipe econômica.

Segundo um operador da mesa de câmbio de um banco de varejo, o movimento de entrada do câmbio no país, por sua instituição, foi menor ontem que na segunda-feira. Ele afirmou, no entanto, que isso não foi resultado do aumento do IOF.

Como o dólar manteve trajetória de queda o dia inteiro, empresas aproveitaram a cotação baixa para comprar dólar e fazer remessas de pagamentos para o exterior disse.

O ministro destacou que o Japão também adotou medidas ontem para desvalorizar o iene em relação ao dólar, afetando os mercados o BC japonês reduziu ontem sua taxa básica de juros a zero. Mantega reafirmou que tratará do assunto com ministros da Fazenda dos 24 países mais desenvolvidos do mundo, em Washington, para onde viaja hoje, a fim de participar de reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI).

A valorização das moedas nacionais frente ao dólar é um obstáculo para as exportações. Daí, segundo o ministro, a necessidade de que as maiores economias encontrem uma solução conjunta.

Essa questão cambial é generalizada, não é só no Brasil.

Estamos vendo que cada dia países tomam medidas para impedir que haja valorização das suas moedas. Ninguém quer perder a guerra comercial.

O setor produtivo comemorou ontem a decisão do governo, mas também acha que ela não será suficiente para conter a valorização do real.

O governo se valeu de um recurso ágil diante de um cenário internacional de grande fluxo de recursos externos para o país, mas não é uma solução definitiva. Existe amplo espaço para outras medidas de contenção da apreciação do real disse o gerente-executivo da Unidade de Política Econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Flávio Castelo Branco.

Para ele, os exportadores precisam ter melhores condições de financiamento e mais infraestrutura para ganhar competitividade diante da queda do dólar. Outra ação importante, segundo Castelo Branco, seria devolver mais rapidamente os créditos de PIS-Cofins a que os empresários que vendem no exterior têm direito.

A maior parte das medidas do pacote governamental de apoio à exportação anunciado em maio último (e que inclui a devolução de créditos) não foi integralmente implementada. Tudo isso precisa ser acelerado disse o representante da CNI.