Título: Juízes contra o conselho
Autor: D'Elia, Mirella
Fonte: Correio Braziliense, 27/06/2009, Política, p. 7

Decisão do CNJ que obriga magistrados a explicitar motivos para a recusa em participar de julgamentos é atacada por entidades de classe. Reunião do Conselho Nacional de Justiça: suspeitas de que juízes estariam evitando julgamentos para se livrar de temas espinhosos ou direcionar ações

Kameni Kuhn/Ajufe Mattos, da Ajufe: ¿A Constituição preserva o direito à intimidade¿

Apesar de estar em vigor há menos de um mês, uma regra já está levantando controvérsia no Poder Judiciário. Resolução baixada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no início de junho obriga magistrados de primeiro e segundo graus a dizer, de forma clara, por que se recusaram a participar de determinado julgamento alegando o chamado foro íntimo, uma prerrogativa (1)prevista em lei. A decisão foi tomada no último dia 9, após suspeitas de que, por trás da justificativa de motivos pessoais, juízes e desembargadores poderiam estar evitando decidir causas por outras razões ¿ como direcionar processos para determinados julgadores, por conveniência, ou evitar temas espinhosos. A insatisfação de juízes, que dizem ter a intimidade invadida, já levou o caso à Justiça. Entidades de classe afirmaram que a medida fere a Constituição e recorreram ao Supremo Tribunal Federal (STF).

O CNJ decidiu baixar a resolução depois que a Corregedoria Nacional de Justiça fez inspeções em vários tribunais do país e constatou que os casos em que magistrados alegaram foro íntimo para se afastar de julgamentos ¿ normalmente raros ¿ tinham crescido muito. Em alguns estados, o mesmo processo chegou a ser recusado por vários juízes pelo mesmo motivo. Uma das suspeitas é que o procedimento seria feito para que um magistrado, escolhido pelo grupo, julgasse determinada causa. As suspeitas levaram à abertura de pelo menos 10 sindicâncias. Um dos principais focos da investigação é a segunda instância, em que, ao invés de apenas um juiz, órgãos colegiados ficam responsáveis por analisar processos. ¿A resolução está seguindo uma lógica que já está em vigor em outros estados. É útil porque evita abusos e atende ao princípio constitucional da transparência¿, disse ao Correio o assessor da Corregedoria Nacional de Justiça, Manoel Castilho

O texto aprovado baseia-se em princípios constitucionais para obrigar os magistrados a se explicar, como a necessidade de que todas as decisões de órgãos do Judiciário sejam fundamentadas. ¿É dever do magistrado cumprir com exatidão as disposições legais, obrigação cuja observância somente pode ser aferida se conhecidas as razões da decisão¿, diz a resolução, assinada pelo presidente do CNJ, ministro Gilmar Mendes, que também preside o Supremo. As informações ficarão armazenadas, sob sigilo, nas corregedorias estaduais e na Corregedoria Nacional de Justiça.

Críticas A medida causou reação imediata. ¿O Código de Processo Penal não exige fundamentação do juiz nesse caso. Além disso, a Constituição preserva o direito à intimidade. Essa resolução é inconstitucional¿, diz o presidente da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), Fernando Mattos. A Ajufe e outras entidades entraram com uma ação ontem no STF para derrubar a medida. ¿As críticas são improcedentes. Isso não vai penalizar quem estiver agindo dentro das hipóteses legais¿, rebate Manoel Castilho.

A Ordem dos Advogados do Brasil é a favor da resolução. ¿Não se pode admitir decisão sem justificativa. A Emenda 45 (reforma do Judiciário, aprovada em 2004) foi clara: obriga os magistrados a motivarem seus atos. A democracia não convive com atos secretos¿, afirma Cezar Britto, da OAB.

1 AMIGO ÍNTIMO OU INIMIGO CAPITAL O Código de Processo Civil traz as regras para casos de impedimento ou suspeição por razões de foro íntimo ¿ hipóteses que afastam o magistrado do julgamento de um processo. No caso de impedimento, as restrições são explícitas e se impõem quando, por exemplo, o juiz é parte de uma ação ou tem parentes atuando como advogados. Ou quando ele for ¿amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes¿, o que pode colocar em risco sua imparcialidade. Já no caso do foro íntimo, o texto legal diz que ¿poderá ainda o juiz declarar-se suspeito por motivo íntimo¿.