Título: Câmbio depende de um bom ajuste fiscal
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Fonte: O Globo, 06/10/2010, Opinião, p. 6

A economia brasileira se acostumou no passado a pressões para que sua moeda se desvalorizasse, em decorrência de desequilíbrios nas contas externas, dificuldades de financiamentos, falta de competitividade nas exportações, etc. Em decorrência de mudanças importantes que ocorreram nos últimos anos entre as quais, por exemplo, a adoção de um regime de câmbio flutuante , as pressões se inverteram, e a moeda brasileira vem se valorizando, em um processo que preocupa segmentos da indústria e também da agropecuária.

Independentemente da atual conjuntura no mercado mundial de moedas, no qual se verifica tentativas de desvalorização forçada, especialmente na Ásia (o Japão acabou de cortar seus juros básicos para zero!), o real tenderia a se valorizar em função do interesse de investidores estrangeiros pelo país, e pelasperspectivas da economia brasileira.

No entanto, há, no curto prazo, sem dúvida, uma certa dose de flutuação especulativa que justifica a decisão do governo de dobrar a taxação (de 2% para 4%) de IOF sobre capitais externos que buscam aplicações de renda fixa no Brasil.

É uma iniciativa que pode desestimular a atração de capitais nômades temporariamente, mas essa questão somente será resolvida quando o Brasil conseguir ter taxas de juros alinhadas com os padrões internacionais.

Mas somente conseguirá este alinhamento quando as contas públicas voltarem a se comportar de maneira a eliminar o déficit fiscal, hoje resultante, em parte, dos encargos financeiros da dívida governamental. O superávit primário não tem sido suficiente para compensar o aumento desses encargos, e assim o déficit se mantém em um patamar que leva a política monetária a recorrer a taxas de juros elevadas para combater a inflação, gerando um círculo vicioso.

A pressão para que o real se valorize não será um fenômeno passageiro. Assim como ocorreu no passado com economias que enfrentaram esse mesmo quadro (Alemanha e Japão), o Brasil terá que buscar mais eficiência em suas cadeias produtivas, nos sistemas de transporte, na isonomia tributária, na redução de tributos, e nas condições de crédito para anular os efeitos negativos dessa inevitável pressão.

Quanto aos capitais financeiros, o alinha-mento com as taxas de juros internacionais deve ser perseguido como consequência de uma melhora substancial da política fiscal.

Não faz sentido que uma economia que cresce ao ritmo atual do Brasil ainda não tenha equacionado essa questão, com o setor público passando a poupar mais, e deixando, dessa forma, de ser uma fonte de desequilíbrio macroeconômico.

É improvável que o governo Lula, ainda mais em fim de mandato, faça um esforço nessa direção, especialmente com a proximidade do segundo turno das eleições presidenciais, no qual espera eleger seu candidato.

Mas o futuro governo, já sem o calendário eleitoral sobre os ombros, não poderá ignorar essa necessidade, pois terá como promover um ajuste com controle total das rédeas. Se simplesmente negar que o ajuste fiscal é necessário como fez Lula no segundo mandato , o câmbio permanecerá sujeito a flutuações indesejáveis.