Título: Governadores fazem mea-culpa sobre mídia
Autor:
Fonte: O Globo, 06/10/2010, O País, p. 10
Dilma reconhece que campanha subestimou discussão sobre aborto, Receita e Erenice, revela Blog do Noblat A reunião de anteontem entre a candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, e governadores e senadores eleitos de sua base aliada foi fechada à imprensa, mas o Blog do Noblat teve acesso a uma parte das conversas.
Dilma reconhece que sua campanha não percebeu a dimensão que o arranque das forças conservadoras teria, usando três situações: o aborto, a violação de sigilo na Receita Federal e o escândalo Erenice Guerra.
Três governadores reeleitos Eduardo Campos (PSB-PE), Sérgio Cabral (PMDB-RJ) e Jaques Wagner (PT-BA) também fizeram mea-culpa na relação de embate da campanha de Dilma com a mídia e ressaltaram a necessidade de a candidata ir a debates.
Os trechos da conversa publicados por Ricardo Noblat
DILMA ROUSSEFF: Primeiro queria agradecer imensamente os companheiros e companheiras que logo na convocação de ontem vieram aqui num esforço que a gente reconhece....
O patamar de votação para a Presidência da República foi mantido mais ou menos o mesmo das duas últimas eleições.
Em torno de 47%, 48%. Eu fechei com 46,9%. E ao contrário de nós a força adversária teve uma redução, saiu dos 41% para 32%, 33%. É importante que a gente sinalize isso.
Essa campanha demonstrou que nós temos uma imensa capacidade de arranque e que temos reconhecimento da população, primeiro porque temos o melhor projeto para o país. Segundo, porque nós temos a melhor aliança que consolidou esse processo.
Não percebemos a dimensão que o arranque das forças conservadoras teria, principalmente utilizando três situações de forma bastante insidiosa.
Primeiro, utilizando a velha calúnia, e a pior calúnia (é) aquela que não se identifica, através de uma campanha que ocorreu na surdina através da internet, que a gente sabe que utilizou falsidades, mentiras e preconceito. E aí utilizou questões religiosas de valores, a desconstrução da minha campanha, da minha pessoa. (Aqui Dilma se refere a mensagens disseminadas na internet sobre sua opinião favorável ao aborto, manifestada durante uma sabatina promovida pelo jornal Folha de S.Paulo em outubro de 2007.) A segunda questão foi a história da Receita. (Aqui ela se refere à quebra do sigilo fiscal de Verônica Serra, filha do candidato do PSDB a presidente.) Vocês se lembram bem: ela apareceu, ficou três meses e agora desapareceu porque ficou caracterizado que havia uma situação em que se tratava de um esquema de corrupção específico da Receita.
Não contribuiu para ter uma redução na minha campanha, mas contribuiu para estancar, para paralisar o crescimento a partir de um determinado momento.
E a terceira questão foi a questão da Casa Civil, que não dizia respeito a mim nem à minha campanha. (Aqui ela se refere à saída da Erenice Guerra da Casa Civil, depois da denúncia de que dois de seus filhos cobravam comissões para facilitar negócios com o governo.) Dessas três questões, para mim a mais grave foi a questão de valores, a religiosa. Ela usou de mecanismos que produziu sem sombra de dúvida todo um processo.
Mas na verdade a gente tem que ter clareza de que vencemos o primeiro turno e vencemos com 47 milhões de votos, deixando uma diferença de apenas 3% entre a minha candidatura e a Presidência da República.
Importante destacar esse fato porque iniciamos o segundo turno com expectativa de fazer agora uma eleição diferenciada. Significa que vamos buscar a afirmação do nosso projeto, a comparação desse projeto com o que o outro projeto tem para oferecer e uma postura bastante ofensiva do ponto de vista político da disputa política, porque é isso que caracteriza o segundo turno.
Será necessariamente uma disputa aguerrida.
Nosso projeto tem que construir também valores, não podemos aceitar a teoria que o setor conservador tenta afirmar de que no Brasil, hoje, de um lado estamos nós e do outro lado estão aqueles que representam a ética e o compromisso com a gestão transparente. Por que não podemos? Porque não é verdade.
Eu considero que houve também uma tentativa (de desqualificar) o meu passado. Quero dizer que nós temos imenso orgulho da minha trajetória política.
Obviamente todo o mundo pretendia ganhar no primeiro turno, mas o segundo turno permitirá como aconteceu em 2006 que nós deixemos bem maduro e claro o que pretendemos, quem somos e o que faremos.
DE EDUARDO CAMPOS PARA DILMA: Nós vamos viver um desafio com que convivemos em 2002 e 2006 e vamos viver agora em 2010. Lógico que todos nós queríamos estar aqui hoje comemorando.
Ficamos bem perto disso.
A nossa avaliação é que a gente cresce lá, tivemos um crescimento dos votos de Marina na reta final, que chegou na frente de Serra em Pernambuco. Esse voto, a meu ver, foi construído nos últimos 30 dias de campanha com muitas pancadas que recebemos.
Adotamos a estratégia de não responder, e daqui a pouco veio essa boataria dos últimos dez dias (sobre a opinião de Dilma a respeito do aborto), que fez um encontro de dois votos na candidatura de Marina que, aparentemente, não se juntariam na mesma pessoa, na do voto conservador, evangélico e da periferia. E, por outro lado, do voto chique da meninada dos colégios, da juventude, da classe média, dos jornalistas, dos intelectuais que fizeram meio que mandar um recado.
Também de um comportamento que foi esse debate que tivemos com a mídia. Nós vivemos além das pancadas que recebemos, alguns equívocos que cometemos, e fica essa sensação.
Nós nos envolvemos num debate que não quero aqui me alongar nessa oportunidade porque não vai haver tempo , mas esse debate criou uma sensação na sociedade meio de que era necessário esse freio de arrumação.
(Campos se refere ao fato de o PT ter convocado, no fim de setembro, militantes e simpatizantes a participarem do ato de protesto contra a imprensa, sob o pretexto de que estaria em curso no país um chamado processo de golpismo midiático).
Me parece que esse voto que foi da classe média para a Marina é um passo atrás que foi dado por um eleitor que é nosso. Teremos que ter muita humildade para, meio que sem pedir, pedir uma certa desculpa, reconstruir essa relação com esse setor e poder fazer uma belíssima vitória.
Mais do que fazer uma disputa com Serra, que aos olhos do Brasil foi derrotado politicamente, nem ele acreditava nessa possibilidade; acho que ao invés de ir para briga devemos reconstruir nossa relação com a classe média urbana.
O ponto de toque é entender esse recado das urnas, esse fenômeno urbano de formadores de opinião. Vai depender muito da postura sua nesses debates.
Vai depender também muito da palavra do presidente Lula.
DE JAQUES WAGNER PARA DILMA: Gostaria de lembrar que ao longo dessa campanha dois candidatos cresceram: a Dilma e a Marina. E um candidato perdeu espaço, que é o candidato do PSDB. A Dilma emplacou, mostrou personalidade e carimbou 47%.
Estou sentindo falta de mais sorrisos aqui. Acho que merecia, com tantos governadores e senadores eleitos, e a sua (performance) e a de Michel (Temer, candidato a vice-presidente) com 47% dos votos válidos.
Não acho que há correções a serem feitas na campanha. Acho que você (Dilma) é tão verde quanto era nos tempo de ministra. A sustentabilidade ambiental nunca esteve distante das nossas decisões.
Sem dúvida, as trilhas e caminhos da Marina estão muito mais próximos das suas trilhas do que das do outro candidato.
O que temos que fazer, agora, é arregimentar, temos que fazer o embate de dois projetos políticos, e não de duas personalidades.
E botar paixão nisso.
Lá na Bahia vocês ganharam no primeiro turno, vocês tiveram 63% dos votos. Creio que isso será elevado a 75% dos votos no segundo turno.
Vi lá a paixão pelo novo, mas vamos ser muito francos: considero a Marina uma pessoa que tem uma boa história de vida, uma pessoa que fez a opção de lançar uma candidatura.
A conquista desses votos passa pela reafirmação dos nossos projetos, eventualmente da incorporação do projeto, programas de governo que estejam dentro da plataforma da Marina.
Não há melhor palavra para o eleitorado do que a incorporação de alguns projetos que a gente considere interessante. O resto é esquentar as baterias.
E concordo com Eduardo: não acho que foi próprio o embate feito nesse... muito motivado com a imprensa, esse não é um bom embate porque ele é facilmente utilizado, como foi, na tentativa...
Nós que nascemos da contestação do autoritarismo... E nos colocar a pecha de autoritários.
Não achei uma boa batalha, essa. (Wagner se refere à posição tomada por setores do PT em relação à imprensa.) É claro que todo o mundo estava com vontade de colocar a mão na taça no primeiro turno do campeonato.
A gente vai ter de jogar um segundo turno. Dá uma frustração para todos nós aqui, que já estavam com as férias programadas, eu inclusive, mas vamos reenergizar para fazer essa campanha com muita garra e solidariedade.
Queria apenas parabenizá-la por seu desempenho.
DE SÉRGIO CABRAL PARA DILMA: Sentimos no Rio de Janeiro a junção de dois segmentos desconectados em torno da campanha da Marina na reta final da campanha. Da classe média, sobretudo jovem, com aquela figura meio Avatar da Marina, e por outro lado esse lado moralista, cristão, que percentualmente seguiu para a candidatura da Marina. E um trabalho, como disse a Dilma, perverso, que começou na internet e se alastrou.
Lembrando a campanha de 2006, do presidente Lula, e lembrando o percentual dele no Rio de Janeiro: é muito semelhante a esse que você teve.
O varejo não existe mais. Não (teremos) mais milhares de candidatos a deputados estadual e federal disputando a eleição.
Não vamos ter mais aquela coisa pavorosa, horrorosa, de ter as ruas todas com placas, e aquela zona visual em que ninguém sabe o número que está ali porque é tanta gente, tanto nome, tanta confusão... A campanha deixa de ser isso.
A campanha (será) de 20 dias, e você vai ter quatro debates nacionais.
Acho que devemos pensar e lembrar como foi feito com o presidente Lula no Rio, com atos muitos mais simbólicos ou verdadeiramente de massa.
Você tem que se poupar muito para esse momento a que o Eduardo e o Jaques se referiram, da entrevista, da conversa, da entrevista ao vivo, do debate no rádio. Porque esse é um momento que passa muito nossos sentimentos.
Agora vão ser 10 minutos para cá, 10 minutos para lá, você e Serra.
(Cabral se refere ao programa de propaganda eleitoral no rádio e na televisão.) Um diferencial muito importante são os debates, são as entrevista ao vivo no Jornal Nacional, no Bom Dia Brasil e, às vezes, até numa rádio que a gente não dá muito importância, e acaba falando uma bobagem e comprometendo o jogo... Tem que ter muita serenidade.
Não é o varejo que vai definir isso, vai ser um trabalho muito mais do seu semblante, da sua palavra, da sua serenidade, da sua tranquilidade, da forma como você vai se comunicar.
Acho que o Eduardo tem toda a razão: perdemos um segmento da classe média que podemos recuperar. E você é a cara desse segmento também, você sabe falar bem para a classe média. Eu já vi você falando sobre classe média como ninguém...
Então acho que agora é que nem a música do Fio Maravilha, do Jorge Benjor: É humildade e gol, humildade e gol! Muita humildade, queixo para baixo, olho tranqüilo, fala mansa, observação com serenidade, muito sorriso no rosto, conte até três na hora de responder porque você representa esse projeto vitoriosos do Brasil.