Título: O elogio da fidelidade
Autor: Godoy, Fernanda
Fonte: O Globo, 08/10/2010, O Mundo, p. 39

A literatura é feita de mal-entendidos. Ela é o território do desvio e do erro e isso, em vez de diminuí-la e amortecê-la, a potencializa e engrandece. A obra do peruano Mario Vargas Llosa confirma essa tese. Ficção que, em um século e em um continente dominados pelo barroco e pelo fantástico, tende, quase sempre, ao realismo. Literatura politizada, mas não panfletária, às vezes até conservadora, em uma América agitada pelas ideias de esquerda.

Llosa nunca deixou de ser fiel a si. Sua malograda candidatura à Presidência do Peru, em 1990, foi uma prova disso. Disseram que jogava sua literatura fora, isso não aconteceu. Sempre foi, continua a ser, dono de seus pensamentos. Provoque admiração ou desgosto, sua passagem pela política o empurrou para si mesmo.

Pensa Llosa que a ficção é só uma pequena parte, não passa de um fragmento, da história que um escritor tenta contar. O exercício da ficção, ele nos diz, ¿abarca uma parte infinitamente mais ampla do que aquilo que se explicita no texto¿. Não existe literatura que dê conta da vida, mas isso nunca impediu Llosa de escrever. É um escritor que trabalha, com determinação e serenidade, nesse espaço aflito entre a existência e a escrita.

Nunca separou as duas coisas, tampouco achou que devia escolher entre elas. O Nobel é o reconhecimento do esforço de Llosa para, sendo um extraordinário escritor, nunca deixar de ser não digo um grande homem, porque isso na verdade não existe, já que somos filhos do erro. Mas um homem que não trai a si mesmo.

JOSÉ CASTELLO é escritor e colunista do Prosa & Verso

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