Título: Ajuste só pode ser feito pelas despesas
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Fonte: O Globo, 08/10/2010, Opinião, p. 6

A atual conjuntura econômica mundial, que tem levado o dólar americano a se desvalorizar fortemente em relação às demais moedas (em decorrência das dificuldades que a economia dos Estados Unidos vem enfrentando para se recuperar), é uma das principais causas da mais recente trajetória de apreciação do real.

No entanto, há também fatores internos que contribuem para essa valorização, e o Brasil não pode deixar de agir sobre esses componentes domésticos, a exemplo do que têm feito outros países. No curtíssimo prazo, o Banco Central procura enxugar o excesso de divisas comprando quase que diariamente grande volume de moeda estrangeira no mercado cambial brasileiro.

O Tesouro, por sua vez, foi autorizado pelo Conselho Monetário Nacional a adquirir, no próprio mercado cambial brasileiro, dólares que necessite para honrar as amortizações da sua dívida externa prevista para vencer até 2014 (antes essa autorização estava limitada para os próximos dois anos). Tal medida foi adotada um dia depois de o Ministério da Fazenda elevar de 2% para 4% a tributação, por meio de IOF, incidente sobre capitais estrangeiros que buscam aplicações em títulos de renda fixa no Brasil.

Diante das ondas especulativas que estão ocorrendo nos mercados de moedas pelo mundo, as autoridades econômicas brasileiras realmente precisavam adotar providências para evitar que o agora indesejável excesso de divisas force uma valorização abrupta do real, pois logo a seguir poderia ocorrer uma queda brusca, e essa grande oscilação no câmbio sempre conturba o ambiente de negócios e atrapalha a produção.

Mas, além de intervenções pontuais no mercado de câmbio, o governo deveria agir no que os especialistas chamam de "variáveis macroeconômicas", para atenuar essa pressão crescente de apreciação do real. A grande maioria dos economistas - e nesse rol se inclui o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga - sugere que a política fiscal deixe de ser expansionista, ou seja, pare de contribuir para que a demanda por bens e serviços se mantenha aquecida. Isso poderá ocorrer com uma viável contenção de gastos públicos.

Ao se pronunciar sobre essa questão, a candidata do governo, Dilma Rousseff, disse não achar necessário este ajuste interno porque os fatores de pressão sobre o real estariam lá fora. Mas ao mesmo tempo reconheceu, acertadamente, que o país precisa diminuir os seus índices de endividamento interno, para possibilitar uma redução das taxas de juros por aqui, hoje muito atrativas para capitais nômades.

Ora, o diagnóstico da candidata está correto, mas há uma contradição nas declarações. A obtenção de superávits primários, como a experiência já demonstrou, é fundamental para uma melhora mais rápida dos indicadores de endividamento público interno. Pelo lado da arrecadação, as receitas têm crescido bem acima da média da economia. Então, só resta mesmo o ajuste pelo lado das despesas, que ela nega. A candidata deve aproveitar a campanha para esclarecer o seu pensamento.