Título: Governo amplia atuação do Tesouro no câmbio
Autor: Beck, Martha; Duarte, Patrícia
Fonte: O Globo, 07/10/2010, Economia, p. 27

Medida permite compra adicional de US$ 10 bilhões para pagar dívida externa. Moeda avança 0,41%, a R$ 1,682

Martha Beck, Patrícia Duarte e Lucianne Carneiro

BRASÍLIA e RIO. O governo tomou ontem mais uma medida para aumentar seu poder de fogo na batalha contra a excessiva valorização do real frente ao dólar. Uma resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) publicada no Diário Oficial autorizou o Tesouro a ampliar suas operações de compra de moeda americana para honrar os compromissos da dívida externa. Antes, ele podia adquirir dólares suficientes para pagar os vencimentos da dívida num período de 750 dias, ou dois anos. O prazo subiu para 1.500 dias, ou quatro anos. Segundo o chefe da assessoria econômica do Tesouro, Jeferson Bittencourt, a medida vai permitir uma compra adicional de US$ 10,7 bilhões no mercado de câmbio.

O anúncio da medida fez o dólar fechar em alta de 0,41%, a R$ 1,682. O Banco Central (BC) fez dois leilões de compra de moeda. Na última terçafeira, o dólar caíra 1%.

A medida (aumento das compras do Tesouro) em si não é muito forte, já que o volume está estimado em cerca de US$ 10 bilhões. E o Banco Central já comprou mais de US$ 1 bilhão em um único dia. Mas mostra que o governo está incomodado e olhando outras medidas diz o operador de renda fixa e câmbio do Banco Modal, Luiz Eduardo Portella.

Medida supre lacuna de atuação do Fundo Soberano Na prática, é uma maneira de o Tesouro ajudar o BC a enxugar o excesso de dólares que entra no país. Como já foi adquirido praticamente todo o montante necessário para honrar os compromissos da dívida entre novembro deste ano e outubro de 2012, o valor adicional autorizado pelo CMN corresponde ao necessário para pagamentos a serem feitos entre novembro de 2012 e novembro de 2014.

O estoque da dívida externa brasileira é hoje de R$ 93,5 bilhões, sendo que os vencimentos dos próximos 24 meses chegam a R$ 23,18 bilhões, ou US$ 13,8 bilhões. Bittencourt evitou admitir que a ação faz parte da estratégia do governo para tentar conter a queda do dólar: A decisão foi tomada porque se entendeu que era a hora de acelerar as compras.

Nos bastidores, no entanto, técnicos admitem que essa é uma forma de contornar um problema que hoje impede que o Fundo Soberano atue no mercado de câmbio. Embora tenha sido habilitado a entrar no mercado comprando dólares, o Fundo tem hoje uma amarra burocrática que precisa ser removida para que ele use seu poder de fogo, definido pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, como ilimitado.

A medida provisória (MP) 452, que permitia ao Tesouro emitir títulos que o Fundo usaria para atuar no mercado, caducou no Congresso. Por isso, uma nova MP precisa ser editada antes que essa arma também seja usada pelo governo.

Após a capitalização da Petrobras, que movimentou cerca de R$ 120 bilhões, o patrimônio do Fundo passou a ser quase que totalmente formado por ações da petrolífera e uma pequena parte do Banco do Brasil (BB). O Fundo participou com cerca de R$ 12 bilhões comprando ações na capitalização da Petrobras, mas também já havia adquirido um lote dos papéis da estatal que estava com a Caixa Econômica Federal (CEF), com mais aproximadamente R$ 2,5 bilhões.

Alta do IOF se aplica a qualquer investimento Como o governo tem a decisão política de manter um maior controle nas estatais, dificilmente venderia esses papéis para comprar dólares no mercado à vista, o que significa que o Tesouro deverá emitir títulos para que o Fundo eventualmente cumpra esse papel. E isso significa elevar a dívida bruta do país.

A equipe econômica está cada dia mais preocupada com o tema, que tem dominado as discussões preliminares da reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI) esta semana.

Mantega quer tentar convencer os países desenvolvidos que estão trabalhando para desvalorizar suas moedas para ganhar mais competitividade nas exportações a deixarem essa prática de lado e adotarem ações fiscais nos mercado domésticos para estimular as economias.

O Ministério da Fazenda também esclareceu ontem que a elevação de 2% para 4% da alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para investimentos estrangeiros em renda fixa anunciada na última segunda-feira serve para qualquer entrada de investimento estrangeiro no país, exceto para aplicações em Bolsa e ofertas públicas de ações, que têm incidência de 2%. Isso significa que fundos de ações, por exemplo, estão sendo tributados a uma alíquota de 4%.

O decreto publicado ontem também veta a possibilidade de estrangeiros que tenham, ou comprem, ações no Brasil usem esses recursos, posteriormente, para aplicar em renda fixa e, assim, fugir da alíquota de 4% do IOF. No texto, a manobra é denominada operações simultâneas.

A identificação dessas operações ficará sob responsabilidade do banco ou corretora que cuida dos interesses desses aplicadores no Brasil. A medida restritiva vale, inclusive, para os investidores que já tenham ações no Brasil.