Título: Razões que transbordam
Autor: Couto, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 27/06/2009, Brasil, p. 12

Do resíduo de chuvas ao El Niño, entenda os motivos das cheias dos rios da Amazônia

Setenta e uma mil pessoas ¿ 14 mil desabrigadas e 57 mil desalojadas ¿ já foram diretamente atingidas pelas cheias dos rios da Amazônia. Apesar de serem comuns na região, as enchentes nas circunstâncias atuais são consideradas raras pelos especialistas ouvidos pelo Correio. A grande abundância de água em uma mesma época do ano é explicada pela maior permanência da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) sobre o local, pelo resíduo das chuvas que caíram nos quatro primeiros meses do ano passado, além da influência do

El Niño e de La Niña, resultantes de aquecimento e resfriamento anormal das águas do Oceano Pacífico. Outro fator que contribuiu está nas inundações simultâneas dos afluentes das margens direita (Hemisfério Sul) e esquerda (Norte) do Rio Negro. O primeiro alerta para o fenômeno foi emitido em 31 de março pelo Serviço Geológico do Brasil.

Em Manaus, uma das 55 cidades atingidas diretamente, a cheia já é considerada a maior da história. A cota do Rio Negro, que banha a capital, registrou na quinta-feira 29,71m, superando o recorde de 29,69 metros, até então a maior média de todos os tempos, alcançada em junho de 1953.

Plantações Mais de R$ 90 milhões já foram liberados pelos governos estadual e federal para a recuperação dos municípios afetados. ¿No total, já entregamos mais de 50 mil cestas básicas, sendo que 30 mil foram doadas pelo governo federal. Também vacinamos animais e doamos remédios, filtros de barro, kits de limpeza, além de sementes para os produtores rurais reconstruírem suas plantações¿, diz o coronel Roberto Guimarães, secretário executivo de Ações e Defesa Civil do Amazonas.

Na opinião de Francisco Evandro Aguiar, pesquisador, professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e doutor em climatologia pela Universidade de São Paulo (USP), a cheia que assola Manaus e toda a região está ligada exclusivamente à estação chuvosa de 2009, mais rigorosa e mais demorada do que em anos considerados normais. ¿Cheias e vazantes mais severas estão associadas sempre a fenômenos climáticos, cujas causas, na maioria das vezes, estão muito distantes da região. É o caso do El Niño e da La Niña.¿

Falta de equilíbrio

O pesquisador e professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) Francisco Evandro Aguiar explica que a enchente deste ano é resultado da maior permanência da ZCIT sobre as regiões Amazônica e Nordeste, fato que se deve a um resfriamento das águas do Oceano Atlântico (à altura do Arquipélago dos Açores), lugar de origem dos Ventos Alíseos de Nordeste, e de um aquecimento anormal das águas do Atlântico Sul (próximo à costa da África), origem dos ventos alíseos de Sudeste. ¿O resfriamento de um lado e o aquecimento de outro resultaram em um desequilíbrio de forças que forçou a permanência da ZCIT abaixo da linha do Equador. E a zona, como área concentradora de maior calor é a fonte, também, de maiores precipitações. A área coberta por essa ZCIT é a região do planeta chamada de trópicos úmidos.¿

Superintendente regional do Serviço Geológico do Brasil, Marco Antônio de Oliveira, acredita que as enchentes simultâneas dos afluentes das margens direita (Hemisfério Sul) e esquerda (Norte) do Rio Negro contribuíram para o fenômeno. ¿A inundação é provocada pela elevação do Rio Solimões, que está no período final de cheia.¿ (RC)

A inundação é provocada pela elevação do Rio Solimões, que está no período final de cheia

Marco Antônio de Oliveira, Superintendente regional do Serviço Geológico do Brasil

Personagem da notícia O drama de perder tudo Gisely Pereira de Souza/Divulgação

A triste realidade das vítimas das enchentes em Manaus foi relatada, por telefone, pela agente de saúde Raquel de Souza, 29 anos (foto). Ela conta que a água em sua casa ainda atinge a altura de seus joelhos, mesmo tendo mudado temporariamente há 15 dias para a casa da avó. ¿Só consegui salvar uma geladeira e uma cama. O resto, a água levou¿, contou a moradora do bairro da Raiz, região sul da capital manauara. A poucos metros da casa de Raquel passa o Igarapé do 40. Mãe de Davi Rian, 2 anos, e casada com o açougueiro Jéfferson Júnior Daniel, 29 anos, a agente de saúde lembra que, em 10 de junho último, os moradores realizaram uma grande manifestação na Avenida Costa e Silva para cobrar do governo celeridade na transferência das casas às margens do igarapé para outra área da cidade. ¿Eles prometeram, mas até agora não nos retiraram daqui¿, protestou, afirmando que as marombas fornecidas pela prefeitura de Manaus não adiantaram de nada. (RC)