Título: Sonhos frustrados
Autor: Campbell, Ullisses
Fonte: Correio Braziliense, 27/06/2009, Mundo, p. 30

Derrocada econômica mundial atingiu em cheio brasileiros que ganhavam a vida no Japão. Meio milhão de dekasseguis já retornaram

Sílvia Yamamoto (e) com uma amiga, na linha de produção de uma fábrica de automóveis em Hamamatsu: ela recebia o equivalente a R$ 3 mil mensais quando foi demitida. O marido ficou no Japão

Kleber Lima/CB/D.A Press - 28/5/09 Sílvia: choque ao retomar contato com a realidade brasileira

São Paulo ¿ A brasiliense Sílvia Mike Yamamoto Correa, 30 anos, está com o coração partido em dois. Uma metade está aqui no Brasil e a outra está no Japão. Nissei, ela foi em busca de oportunidades na terra do sol nascente com o marido, em 2007, e foi obrigada a voltar em março passado por causa da crise econômica que tem origem nos Estados Unidos, mas castiga o mundo todo. O marido, porém, ficou. Assim como Sílvia, a cada mês, pelo menos 200 dekasseguis, brasileiros descendentes de japoneses que tentam a vida no Japão, desembarcam no país desempregados.

Segundo dados da embaixada brasileira no Japão, desde o agravamento da crise, cerca de 50 mil brasileiros descendentes de japoneses já retornaram ao Brasil. A falta de renda e de perspectivas em terras tupiniquins não são os únicos problemas dos dekasseguis que estão de volta. O choque cultural revela-se um problema tão forte que o Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) criou um programa específico para atendê-los.

Sílvia está há quatro meses no Brasil, mas seu pensamento não sai do Japão, mais especificamente da comunidade de Hamamatsu, na província Shizuoca. Desempregada no Brasil, cansada de fazer bicos e atuar em subempregos, resolveu tentar a vida com o marido no Oriente. O fato de ser neta de japoneses permitiu que ela e a família inteira ¿ ela tem dois filhos pequenos ¿ entrassem no país sem qualquer burocracia. Lá, trabalhou em uma fábricas de autopeças, na linha de montagem de carros de marcas famosas, e ganhava o equivalente a R$ 3 mil por mês. Juntando com a renda do marido, esse valor dobrava. No Brasil, os dois juntos faziam R$ 1,6 mil por mês. ¿Minha função na fábrica era dobrar os airbags dos carros e colocá-los dentro do volante¿, conta Sílvia.

Choque Na última segunda-feira de março, ela foi bater o cartão de ponto e recebeu o bilhete azul. A fábrica estava demitindo por causa da queda nas encomendas de carro 0km. O número de desempregados no Japão já estava assustando Sílvia quando ela foi obrigada a fazer o caminho de volta. Trouxe os dois filhos e deixou o marido, que ainda se mantém num emprego semelhante. ¿Foi a viagem mais triste que fiz em toda a minha vida. Minha família foi dividida e ainda tive de tentar a sorte no Brasil depois de dois anos morando em um país de primeiro mundo¿, conta a nissei, que mora atualmente em Vicente Pires, no Distrito Federal.

As principais queixas dos dekasseguis que são forçados a voltar para o país soam como arrogância de quem morou fora do país e esqueceu a cultura brasileira. Sílvia, por exemplo, reclama da corrupção brasileira, do serviço público, especialmente do transporte, e da falta de confiança no atendimento público. ¿No Japão, se eu ligar para um call center e me disserem que vão trocar o produto que comprei com defeito de fábrica em 24h, a troca será feita com certeza. No Brasil, não existe essa garantia¿, exemplifica.

Frustração O paulista Pedro Ushida da Costa, 24 anos, chegou em Tókio em 2005. Largou um curso de relações internacionais na USP e sequer se deu ao trabalho de trancar, acreditando que jamais precisaria voltar. No Japão, trabalhou em fábricas de peças de automóveis, de trem e até de avião, onde chegava a fazer R$ 12 mil por mês trabalhando de segunda a sábado 12 horas por dia. ¿Não tinha tempo de namorar, nem de me divertir. O único lazer que eu tinha era assistir partidas de futebol aos domingos na televisão¿, recorda-se.

No mês passado, Pedro foi obrigado a voltar com quase nenhum centavo no bolso. Ele foi demitido em setembro do ano passado e usou as suas economias para se manter no Japão por 10 meses. ¿Eu tinha mais de R$ 150 mil guardados. Fui gastando, porém, para me manter sem emprego, acreditando que eu ia achar uma oportunidade. Mas a cada mês aumentavam as demissões e tive de vir embora quando só tinha grana para pagar a passagem, que custou R$ 1,6 mil¿, conta. E olha que ele conseguiu junto à Embaixada do Brasil no Japão se livrar da taxa de embarque.

Filho de mãe japonesa e pai brasileiro, Pedro se diz deprimido por não conseguir mais se acostumar com a cultura brasileira. Ele reclama da assistência médica oferecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS), da falta de lazer gratuito e do péssimo estado de conservação dos ônibus que circulam na Grande São Paulo. No Brasil, Pedro não conseguiu voltar para o curso da USP e sonha com o dia que as terras japonesas tornem-se prósperas para poder voltar. ¿Aqui no Brasil, consegui só um emprego de garçom. Pelo menos dá para ajudar em casa¿, conta.

Os números

A crise que mandou os dekasseguis de volta

500 mil dekasseguis retornaram ao Brasil por causa da crise financeira mundial

6 são atendidos por dia na USP com problemas psicológicos por causa do choque cultural provocado pela volta

320 mil dekasseguis continuam no Japão

A produção industrial caiu 10% em março em relação ao mês anterior ¿ a maior queda desde 1953

A taxa de desemprego registrou alta de 0,2 ponto percentual em abril na comparação com março, e chegou a 5%, o maior nível em cinco anos

A cada mês, 70 mil trabalhadores ficam sem emprego