Título: O Nobel da crise
Autor:
Fonte: O Globo, 12/10/2010, Economia, p. 23

Prêmio de 2010 vai para três economistas que analisam as razões do desemprego elevado

ESTOCOLMO, BOSTON, LONDRES e RIO

Em meio ao elevado desemprego global, a Real Academia Sueca de Ciências concedeu o Nobel de Economia a três acadêmicos que se debruçaram sobre o mercado de trabalho. Os americanos Peter Diamond e Dale Mortensen vão dividir com o britânico-cipriota Christopher Pissarides o prêmio de US$1,5 milhão. Segundo a academia, os três foram escolhidos por terem desenvolvido uma teoria para explicar o fato de o desemprego permanecer elevado mesmo quando há um grande número de vagas disponíveis, além de relacionar o mercado de trabalho às políticas econômicas adotadas pelos governos.

A partir de modelos matemáticos, os três economistas estudam, desde os anos 1960, a dinâmica do mercado de trabalho, especialmente o chamado atrito entre os que buscam emprego e os que oferecem uma vaga. Diamond mostrou que a tradicional visão de mercado de que compradores e vendedores se encontram sem atritos não se aplicava ao mercado de trabalho. A partir daí, Mortensen e Pissarides desenvolveram um modelo conhecido como Diamond-Mortensen-Pissarides (DMP). Este é hoje o mais utilizado para analisar desemprego, formação salarial e oferta de vagas. Ele foi aplicado até a casamentos e divórcios, pelo economista Justin Wolfers. Segundo este, quando a taxa de divórcio é baixa, as pessoas custam mais a se separar, já que há menos parceiros disponíveis.

O benefício do seguro-desemprego foi analisado pelos três economistas. Este permite que um trabalhador desempregado fique mais tempo procurando uma vaga que o satisfaça econômica e profissionalmente, em vez de aceitar a primeira oferta. Mas o outro lado é ter um índice de desemprego alto por mais tempo, mesmo com a recuperação da economia.

Obama defende Diamond no Fed

Diamond, de 70 anos, é professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e é considerado uma autoridade em previdência, pensões e impostos. Ele foi nomeado por Barack Obama para a diretoria do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), mas o processo está suspenso desde agosto, porque os republicanos questionaram sua experiência prática. Mortensen, de 71 anos, é professor da Northwestern University, em Illinois, e Pissarides, de 62 anos, da London School of Economics (LSE).

Paul Krugman, vencedor do Nobel em 2008, disse que a premiação dos três era grandemente merecida.

Ao ser informado do prêmio, Diamond disse que ainda espera conseguir entrar no Fed, a fim de lidar com os problemas de risco sistêmico. Mas não quis dizer se o Nobel encerraria o impasse sobre sua nomeação.

¿ O que aprendemos com a maior atenção ao risco sistêmico foi que a regulamentação dos bancos pensados como instituições individuais é certamente importante e precisa ser melhorada. Mas isso não basta. Precisamos dar mais atenção às interações entre diferentes instituições e estruturas ¿ afirmou Diamond, que foi professor do presidente do Fed, Ben Bernanke, no MIT.

Ele disse que a recuperação da economia americana será dolorosa e defendeu uma segunda leva de estímulos econômicos, com o governo federal ajudando os locais a resguardarem os empregos de professores, bombeiros, policiais e assistentes sociais. Segundo Diamond, sem o pacote de US$800 bilhões aprovado ano passado, ¿o desemprego hoje seria bem maior¿.

O blog The Curious Capitalist, da revista ¿Time¿, afirmou que os premiados estariam alinhados com os democratas em sua defesa dos benefícios aos desempregados e da criação de empregos.

O presidente Obama, em um comunicado, deu os parabéns a Diamond e Mortensen pelo prêmio ¿por sua pesquisa econômica pioneira, que tem aplicações em uma ampla variedade de áreas, como desemprego e imobiliária, onde precisamos de nossas melhores e mais brilhantes mentes¿. Obama lembrou a nomeação de Diamond para o Fed e disse esperar que o Senado aprove seu nome ¿o mais rapidamente possível¿.

Já o porta-voz de Obama, Robert Gibbs, foi mais contundente. Ele disse que a obstrução a Diamond ¿é uma tentativa perniciosa de ganhar pontos políticos, que prejudica a classe média e a recuperação da economia¿.

Mortensen, por sua vez, afirmou que um mercado de crédito desequilibrado torna mais difícil para pequenas empresas ¿ que, nos EUA, respondem por cerca de três quartos do mercado de trabalho ¿ financiarem contratações. Ele defendeu a criação de vagas na área de serviços para reduzir o desemprego.

¿ Muitos empregos na área de serviços estão em pequenas empresas. E elas estão encontrando dificuldade para encontrar financiamento dos bancos ¿ disse Mortensen. ¿ Hoje temos mercados de capital desequilibrados. Pode levar algum tempo até que os desequilíbrios no mercado de trabalho sejam corrigidos.

Em Londres, Pissarides se declarou surpreso e feliz com o prêmio. Ele afirmou que ¿o que realmente deveríamos estar fazendo é assegurar que os desempregados não fiquem assim por muito tempo¿.

Langoni: Europa sofre com rigidez

Carlos Langoni, diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas (FGV) e ex-diretor do Banco Central, lembra que os países emergentes e desenvolvidos vivem momentos distintos em seus mercados de trabalho. No Brasil, o problema está na falta de mão de obra qualificada. Nos EUA e na Europa, a questão atual é a oferta de empregos.

¿ A Europa tem uma taxa de desemprego maior que a americana. Uma das razões é que o mercado de trabalho lá é mais rígido, com forte poder de sindicatos. Nos EUA, os sindicatos perderam terreno e as coisas são mais ágeis ¿ disse Langoni.

Mortensen também ressaltou essa diferença, afirmando que alguns países europeus distorcem o mercado de trabalho ao garantir empregos. Já Pissarides lutou para que a Europa adotasse medidas de flexibilização do trabalho, que, segundo um de seus superiores, não foram implementadas por falta de vontade política. Mas o novo governo britânico, conservador, já anunciou que vai pôr em prática algumas dessas propostas.

OIT: EMPREGO NOS PAÍSES RICOS SÓ RETORNARÁ AO PATAMAR PRÉ-CRISE EM 2015, na página 24