Título: Houve uma sensação de prostração
Autor: Lima, Maria
Fonte: O Globo, 09/10/2010, O País, p. 9

Presidente do PT diz, porém, que decepção por Dilma não ter vencido logo no primeiro turno já foi superada ENTREVISTA José Eduardo Dutra

O presidente do PT, José Eduardo Dutra, admite que a equipe da campanha da candidata Dilma Rousseff foi surpreendida com a realização do segundo turno na eleição presidencial, mas diz que isso foi percebido no próprio domingo. Dutra reconhece que os petistas ficaram prostrados diante do resultado, mas ele aposta na vitória. Nesta entrevista ao GLOBO, o presidente do PT afirma que surpreende o fato de, segundo ele, partir de aliados do tucano José Serra o debate religioso que tomou conta da campanha. ¿A candidatura do Serra vai acabar se deparando com essa rejeição. Não faz parte da índole da maioria do povo brasileiro esse tipo de intolerância, esse tipo de virulência, esse tipo de ataque¿, disse.

O GLOBO: Quando é que caiu a ficha para vocês de que haveria segundo turno? JOSÉ EDUARDO DUTRA: Quando começou a apuração.

As pesquisas detectavam um crescimento da Marina (Silva, candidata derrotada do PV), mas, até o momento em que eram feitas, não detectavam o segundo turno. Mesmo na do Ibope, de boca de urna, que mostrava a possibilidade de segundo turno, o resultado foi fora da margem de erro. O que normalmente não acontece.

Mostra que teve um movimento do sábado para o domingo e durante a eleição.

Vocês esperavam por isso? Tinham um plano B ou foram surpreendidos? DUTRA: Quando você vai para uma eleição, o objetivo é chegar em primeiro lugar. É fato que, embora a gente explicitasse sempre a necessidade de não ter salto alto e de a militância ir para as ruas disputar o voto, acabamos introjetando um sentimento de que iríamos ganhar no primeiro turno. Em 2006, também aconteceu isso. E, quando não acontece (a vitória), você acaba tendo uma sensação de frustração que, inclusive, embota o excelente resultado que foi a votação.

A Dilma foi a mulher mais bem votada na História da América Latina, talvez do mundo, com 47 milhões de votos.

Apesar dessa votação, o que parece é que a campanha da Dilma foi derrotada, e a do Serra, vitoriosa. Isso tem um efeito psicológico no eleitor? DUTRA: Não, porque o embotamento que houve imediatamente depois do resultado já foi amplamente superado. Fizemos movimentos políticos muito mais rápidos do que a própria campanha do Serra. Fizemos reunião de governadores amplamente representativa no dia seguinte.

Dilma foi para a rua.

Mas o presidente Lula demorou a aparecer em público falando do resultado...

DUTRA: Não cabia ao Lula falar no domingo. Quem tinha que falar era a candidata. Ele só falou na terça-feira, mas não foi porque demorou a se recuperar, não...

Mas foi um balde de água fria? Ele ficou muito frustrado? DUTRA: Não houve frustração.

Ele reagiu da mesma forma que cada um de nós reagiu: houve uma sensação de prostração no início, mas que foi rapidamente superada.

Vocês não pensavam em derrota no primeiro turno. Agora, no segundo, passa pela cabeça a possibilidade de virada, de uma derrota para o Serra? DUTRA: (Risos) Olha, em qualquer situação, você pode ganhar ou perder. Então, tem que trabalhar para ganhar. Nós estamos confiantes, né? O que vi no Rio foi uma consagração. E quase 70% do povo brasileiro disseram que querem uma mulher presidente. Agora só tem uma candidata (mulher). Então...

Nessa onda da guerra religiosa, Serra pode perder votos na classe média? DUTRA: Não gosto de ficar fazendo profecia de voto. Mas não há dúvida de que o povo brasileiro, de uma forma geral, não concorda com esse tipo de campanha clandestina, que vai contra a tradição brasileira. O Brasil tem uma cultura de tolerância, de pluralidade, onde não há conflitos religiosos, étnicos.

Uma convivência que é admirada no mundo todo. De repente, há uma campanha que usa argumentos absolutamente medievais para atacar o adversário.

Acho que o povo vai dar uma resposta a isso.

Pode haver uma onda contrária em resposta? DUTRA: Já começa a haver reações de setores da sociedade organizada e da Igreja que estão absolutamente indignados com esse tipo de campanha. O que me surpreende é que Serra, que, quando ministro da Saúde, foi vítima de uma campanha semelhante, medieval, quando encaminhou o projeto para regulamentar o direito de atendimento de pacientes de aborto nos dois casos previstos na lei, agora se utiliza da mesma coisa contra uma adversária eleitoral.

O senhor acha que Serra deveria defender Dilma desses ataques? DUTRA: Olha, seria querer demais! Mas o fato é que os ataques não são feitos de forma aleatória, de forma não organizada.

Os panfletos não estão sendo impressos de forma artesanal, são feitos de forma profissional, o que claramente mostra que há um submundo da campanha do Serra fazendo isso.

Quem está fazendo isso? DUTRA: Se eu soubesse, ia direto à polícia denunciar. Pedimos à PF para investigar responsabilidades sobre um panfleto (do grupo Tradição, Família e Propriedade) que circulou na reunião do PSDB.

Mas o volume mostra que não é uma coisa isolada. O fato de ter circulado lá é mais um indício.

Lamento que a trajetória do Serra venha da AP (grupo que combateu a ditadura) para a TFP.